As agruras da presidente 01/05/2014
- O Estado de S.Paulo
Em política, nunca se deve dizer nunca, ressalvou dias atrás o ex-presidente Lula, antes de reiterar a lealdade à candidatura de sua afilhada Dilma Rousseff à reeleição.
Ela mesma invocou o termo ao responder à inescapável pergunta sobre o "Volta, Lula" que lhe foi feita por jornalistas esportivos em um jantar -- cujo prato de resistência deveriam ser os preparativos para a Copa e os protestos contra o evento -- segunda-feira, no Alvorada.
"Nada me separa dele e nada o separa de mim", entoou. "Sei da lealdade dele a mim, e ele da minha lealdade a ele."
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Menos por isso, decerto, do que por saber que Dilma não tem a mais remota intenção de desistir da chance de passar mais quatro anos no Planalto e por pressentir que a operação da troca de nomes poderá não ser, nas urnas, o sucesso que a justificaria, Lula há de calcular que, para si, melhor do que ter elegido um poste será reeleger o poste que, em vez de iluminar, estorva.
Se der errado, a culpa, naturalmente, será de Dilma. Se der certo, será a consagração de sua trajetória como o maior líder de massas da história nacional.
Guardadas as diferenças, ele já rodou esse filme.
Em 2009, desistiu de buscar o terceiro mandato consecutivo não necessariamente por reverenciar a regra do jogo, que o proíbe, mas por intuir que talvez não pudesse pagar o preço político da tentativa de mudá-la.
Antes fazer e tornar a fazer o sucessor, e se guardar para 2018. Não obstante o "nunca", a sua tendência é de permanecer leal a esse traçado.
Ocorre que, por si só, o alarido em torno do "Volta, Lula" -- resultado do desgosto dos aliados com o desempenho da presidente, do seu fracasso em construir uma coalizão de interesses da qual fosse ela a líder e do receio petista de perder o poder em 2015 -- agrava a sua avitaminose política e acentua a sua vulnerabilidade eleitoral.
Um episódio deixa isso claro.
Horas antes da entrevista de Dilma, o líder do PR na Câmara, Bernardo Santana, da base governista, se fez fotografar pendurando na parede o retrato de Lula.
Segundo ele, 20 dos 32 membros da bancada preferem que o ex-presidente seja o candidato.
"Só Lula tem condição de enfrentar qualquer crise", alegou.
Pouco importa que tenha se recusado a identificar os supostos 20 lulistas. Pouco importam também as divisões internas no partido que possam ter parte com o anúncio.
O ponto é que, estivesse Dilma nadando de braçada nas pesquisas, Santana não se sentiria inseguro do que o espera nas urnas a ponto de aprontar-lhe tamanha desfeita.
A cena de um político aliado afixando a imagem de um Lula com a faixa presidencial é o símbolo mais contundente das agruras de Dilma.
É inevitável a comparação com o hino da vitoriosa campanha a presidente do ex-ditador Getúlio Vargas, em 1950.
"Bota o retrato do velho outra vez / Bota no mesmo lugar", dizia a marcha que arrebatou o carnaval daquele ano. Eis o carma da presidente.
Um dia lhe perguntam o que acha do "Volta, Lula". No outro, ontem cedo, numa entrevista a rádios baianas, o que acha da fidelidade dos partidos alinhados com o Planalto.
A resposta é pura Dilma sem açúcar: "Gostaria muito que, quando for candidata, eu tivesse o apoio da minha base, da minha própria base. Agora, não havendo esse apoio, a gente vai tocar em frente".
Falta tocar o eleitor. Por mais que os resultados dos levantamentos de intenção de voto devam ser vistos com cautela -- a três meses do início da campanha na TV e a cinco da ida às urnas, quando a disputa ainda não entrou no radar da grande maioria dos brasileiros --, o fato é que a mera coerência dos números da queda da candidata acelera o processo de seu desgaste.
Sinal disso é que a equipe da reeleição, segundo uma inconfidência, já se dará por feliz se a chefe parar de cair nas próximas sondagens.
A expectativa de vitória no primeiro turno se dissipou. Era, de resto, uma fantasia: nem Lula, apesar de toda a sua popularidade, conseguiu liquidar a fatura logo de saída na reeleição.
Já a aprovação a Dilma -- a sua bagagem para as urnas - se aproxima perigosamente do nível que, para os especialistas, conduz antes à derrota do que à vitória eleitoral, sejam quais forem os adversários.