Populismo corrosivo 02/05/2014
- O Estado de S.Paulo
Dois dias depois de uma pesquisa mostrar sua queda nas intenções de voto e a redução de sua popularidade, a presidente Dilma Rousseff anunciou em cadeia de rádio e de TV um aumento de 10% nos valores do Bolsa Família e uma correção de 4,5% da Tabela do Imposto de Renda.
Além disso, prometeu manter a política de valorização do salário mínimo e acusou a oposição de defender o arrocho salarial.
Horas antes desse pronunciamento, o Tesouro e o Banco Central (BC) haviam divulgado os últimos números das contas fiscais e confirmado as más condições das finanças públicas.
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A presidente parece ter ignorado essas notícias, assim como ignorou as condições de compra da Refinaria de Pasadena pela Petrobrás, em 2006, quando presidia o Conselho de Administração da empresa.
Ou talvez nem tenha percebido a conexão entre seu pacote de bondades e a gestão do dinheiro público.
O sentido eleitoral -- ou eleitoreiro -- das medidas anunciadas pela presidente ficou evidente tanto para brasileiros quanto para observadores estrangeiros.
O jornal britânico Financial Times classificou como populista o aumento de 10% dos benefícios do programa Bolsa Família e vinculou a decisão imediatamente à campanha da presidente pela reeleição.
A elevação de 10%, lembrou o autor do texto, é bem superior à inflação acumulada em 12 meses. Não se trata, portanto, de mera correção.
Mas o ajuste de 4,5% na Tabela do Imposto de Renda, como sabe qualquer brasileiro, é insuficiente para compensar a inflação.
A alta de preços ao consumidor acumulada em 12 meses tem ficado em torno de 6%.
Mas o anúncio na véspera do feriado de 1.º de Maio e a referência à vantagem para os contribuintes assalariados têm também um claro objetivo eleitoral, até porque esse tipo de ajuste é normalmente divulgado mais perto do fim do ano.
Seria muito mais fácil levar a sério a fala da presidente se ela tivesse tido o cuidado de explicar como as novas medidas se enquadrarão na política fiscal.
O aumento do Bolsa Família pode ser muito bom para milhões de pessoas. A correção da tabela do imposto, embora insuficiente, representará um pequeno alívio para o contribuinte.
Mas essas iniciativas, assim como a valorização do salário mínimo, resultarão em novas pressões sobre as contas públicas, já em estado precário.
Pouco mais de metade -- 51% -- do superávit primário do governo central no primeiro trimestre foi obtida com dividendos extraordinários e com receitas de concessões.
Os dividendos contabilizados (R$ 5,89 bilhões) foram 667,6% maiores que os registrados entre janeiro e março de 2013 (R$ 767,4 milhões).
A manobra para tornar menos feio o resultado fiscal é evidente.
O superávit primário -- dinheiro para pagar juros da dívida -- acumulado em três meses correspondeu a apenas 44% da meta fixada para o quadrimestre encerrado em abril.
Essa meta só terá sido alcançada se o resultado de um único mês tiver sido suficiente para cobrir mais de metade do valor programado para quatro meses.
Apesar disso, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, insiste em reafirmar a promessa de um superávit primário, neste ano, equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) -- número programado para todo o setor público.
Cada vez mais a presidente Dilma Rousseff parece afastar-se das limitações reais e incontornáveis da administração pública, para se concentrar estritamente nos objetivos eleitorais.
Essa preocupação se acentuou nitidamente com a piora da avaliação de seu governo, a redução de seu prestígio pessoal e a campanha crescente, nos partidos aliados e até no PT, a favor do retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Essa campanha pode resultar em nada, mas claramente incomoda e pressiona a presidente.
Sua reação -- aumentar os gastos para mobilizar apoio popular -- pode ter sentido em prazo muito curto como manobra eleitoral.
Mas a insistência nesse tipo de política, já mantida há muito tempo, produz, entre outras consequências, mais inflação e, portanto, mais corrosão dos benefícios transferidos aos mais pobres e dos salários recebidos pelos trabalhadores.
Será mais um legado maldito para quem ocupar o Palácio do Planalto a partir de janeiro.