Inflação, singeleza e seriedade 10/05/2014
- O Estado de S.Paulo
A simplicidade é um dom, ou uma dádiva, segundo uma bela e famosa canção shaker composta em 1848, mas pode ser assustadora quando incorporada num discurso ministerial sobre a alta de preços: assim como subiu, a inflação "vai descer para um patamar menor", garantiu ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Com a mesma singeleza, ele ainda prometeu: "Não vamos ultrapassar o teto da meta".
O objetivo da promessa, aparentemente, é tranquilizar os brasileiros: o limite de 6,5% será respeitado.
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O governo, pelo menos, deverá contentar-se com qualquer número dentro da margem de tolerância, mas, para isso, ainda falta um caminho provavelmente acidentado.
Em abril, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referência para a política de metas, ainda subiu 0,67%.
Acumulada em 12 meses, essa taxa resultaria em 8,34%, um número quase obsceno quando comparado com os indicadores de outros países em desenvolvimento, raramente acima da faixa de 3% a 3,5%.
Mas houve uma apreciável melhora, poderiam argumentar os porta-vozes do governo, em relação ao mês anterior, quando o IPCA aumentou 0,92%.
É verdade, mas em 28 meses só ocorreram três taxas maiores que 0,67%: uma em dezembro de 2012 (0,79%), outra em dezembro de 2013 e a terceira em março deste ano.
Além disso, a alta acumulada no ano passado, 5,91%, só foi possível com o represamento dos preços dos combustíveis, do transporte público em várias cidades e das tarifas de energia elétrica.
Apesar disso, o aumento anual do IPCA ainda foi maior que o de 2012, 5,84%.
O padrão instalado há quase sete anos é de aumentos anuais próximos de 6%.
O resultado só ficou abaixo de 5,9% em dois anos. Um deles foi 2012. O outro, com inflação de 4,31%, foi 2009, com uma recessão iniciada no fim de 2008 e encerrada no primeiro trimestre.
Nesse longo período -- quase dois mandatos -- a economia global afundou e entrou em recuperação.
Os preços das commodities oscilaram. O valor do real subiu e desceu segundo as condições do mercado financeiro internacional.
Mas a inflação brasileira foi sempre muito alta pelos padrões globais.
Apesar disso, o governo sempre insistiu, e ainda insiste, em atribuir a alta de preços no Brasil a fatores ocasionais e geralmente ligados ao quadro externo.
Esse tipo de explicação obviamente conflita com a permanência da inflação em níveis muito altos e quase constantes durante período tão extenso.
Faz muito mais sentido associar a alta de preços a outros fatores muito mais relevantes, como o excesso de gastos públicos, a expansão do crédito, as condições apertadas do mercado de mão de obra, a indexação remanescente e os estímulos dirigidos muito mais ao consumo que à produção.
Esses fatores foram repetidamente apontados, às vezes de forma diplomática, em relatórios do Banco Central (BC).
Mas também dirigentes da instituição têm realçado, às vezes, os fatores ocasionais, como choques de preços agrícolas e impactos do câmbio.
Nenhum desses fatores, no entanto, tem maior valor explicativo que os desajustes apontados nos relatórios, quando se trata de dar conta da persistência da inflação.
Em abril, a alta acumulada em 12 meses bateu em 6,28%. Continuou muito próxima do limite de tolerância, 6,5%, impropriamente chamado de teto da meta.
Não há teto nem centro.
A meta é simplesmente 4,5% e a variação de 2 pontos só é admissível em condições anormais.
Terá havido tanta anormalidade em quase sete anos?
Pelos padrões internacionais, o fato mais anormal foi a tolerância do governo brasileiro, por tanto tempo, a taxas tão altas de inflação.
A própria meta de 4,5%, bem acima dos padrões internacionais, tem valor meramente retórico, quando o governo aceita, seguidamente, resultados bem piores.
Não se espere mudança desse quadro, se isso depender do atual governo.
Não haverá redução da meta, disseram nesta semana a presidente Dilma Rousseff e o ministro Guido Mantega.
Nem da meta oficial nem da inflação real, pode-se acrescentar.
Outra política exigiria um fator muito escasso -- seriedade maior na administração.