Populismo e violência 11/05/2014
- O Estado de S.Paulo
As duas principais cidades do País, São Paulo e Rio de Janeiro, foram sacudidas na quinta-feira por manifestações públicas que em muitos pontos descambaram para a violência.
Na capital paulista, cinco movimentos -- três deles simultâneos -- levaram às ruas militantes sem-teto que invadiram e picharam as sedes das três maiores empreiteiras responsáveis pelas obras da Copa do Mundo.
No Rio, motoristas e cobradores em greve depredaram 467 ônibus -- isso mesmo, quase meio milhar.
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O grave não são esses lamentáveis episódios em si.
Gravíssimo é o fato de que eles estão se tornando banais, corriqueiros, cada vez mais descontrolados, revelando a cada dia com maior nitidez um cenário de convulsão social que ninguém sabe onde e como vai terminar.
Manifestações populares pacíficas, movimentos reivindicatórios ordeiros, atos públicos de protesto realizados sem violência são importantes para o aperfeiçoamento e fortalecimento das instituições democráticas.
Mas, quando se olha para o que está acontecendo em todo o País, o que se vê é muito diferente disso.
Há fatores perturbadores que precisam ser levados em conta na avaliação dessas manifestações e da posição que o poder público tem assumido diante delas.
Um desses fatores é, obviamente, o sistemático desrespeito à lei e o desprezo pela segurança pública.
Ninguém tem o direito, por mais justa que seja a causa que defende, de violar direitos alheios e muito menos de colocar em risco a integridade física de pessoas e do patrimônio público e privado, promovendo depredações e invadindo propriedades.
São atos que a lei proíbe e pune e que o bom senso repele por serem contrários à boa convivência democrática.
Por outro lado, a intensidade com que avultam essas manifestações, abrangendo um amplo universo de agendas específicas -- lamentavelmente pontuadas por atos de violência --, sugere que a sociedade brasileira está insatisfeita, inconformada, revoltada.
Mas este não é o país maravilhoso que em dez anos promoveu o milagre do resgate social dos desvalidos e se projetou triunfante na cena antes só frequentada pelas grandes potências mundiais?
Não é o país em que o povo pode contar com as promessas de que tudo vai ficar melhor ainda, pois há infinitas bondades a serem sacadas da cornucópia dos poderosos?
É claro que o governo -- que para onde olhe só enxerga urnas eleitorais -- tem tudo a ver com o sentimento difuso de insatisfação que permeia a sociedade.
Pois predomina o sentimento, nem sempre expresso com clareza, de que as conquistas das últimas décadas, obtidas com grandes sacrifícios -- desde o controle da inflação e a valorização da moeda até uma melhor distribuição de renda --, correm sério risco diante da incompetência administrativa de um governo unicamente preocupado em se manter no poder.
A tudo isso se somam os temores gerados pela cúmplice despreocupação do governo com o gangsterismo que floresce em certos movimentos ditos sociais -- aqueles que lideram a violência e o esbulho.
Afinal, que outra interpretação dar ao fato de a presidente Dilma Rousseff abrir espaço em sua agenda para dar atenção a manifestantes que, ao lado do local do encontro, estão cometendo o crime de invadir uma propriedade privada?
Atitudes de mero oportunismo eleitoral como essa são, no mínimo, antipedagógicas do ponto de vista do exercício da cidadania.
Afinal, se a chefe do governo é tolerante com invasores de Itaquera, por que não o será também com outros crimes?
Aos invasores que saíram do encontro com a presidente embalados pela promessa de que tudo será feito para incluí-los no Minha Casa, Minha Vida, cabe a piedosa advertência de que, se tudo der certo, correrão o risco de se tornarem eles próprios vítimas do crime que hoje praticam, pois até mesmo no programa habitacional do governo as invasões são cada vez mais frequentes e toleradas.
O fato é que as incertezas que hoje assombram o País têm também sua origem nas omissões e desmandos de um governo populista que há mais de dez anos entrega muito menos do que promete.
E promove, com os hábitos perniciosos cultivados por setores do PT, a lassidão moral que ameaça as instituições.