A democracia de Lula 12/05/2014
- Carlos Alberto Di Franco*
Documento elaborado pelo presidente do PT, Rui Falcão, sobre a campanha eleitoral deste ano classifica a imprensa como "mídia monopolizada, que funciona como verdadeiro partido de oposição".
Segundo o texto, "a disputa eleitoral" vem sendo marcada "por um pesado ataque ao nosso projeto, ao governo e ao PT da parte dos conservadores, de setores da elite e da mídia monopolizada".
O ex-presidente Lula, único maestro da orquestra ideológica petista, já tinha dado o tom ao afirmar que a imprensa é o maior "partido de oposição" do País. É a música de sempre: eles e nós.
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Chocam, e muito, o autoritarismo e o cinismo que transparecem nas declarações que acabo de citar.
A imprensa é uma instituição genuinamente democrática e não sintoniza, por óbvio, com projetos hegemônicos e autoritários de poder.
O próprio Lula é o resultado direto de uma sociedade livre e democrática.
Sua saga pessoal, extraordinária, passou por uma imprensa que abriu amplos espaços para um jovem sindicalista que, então, transmitia uma mensagem renovadora.
Luiz Inácio Lula da Silva, sobretudo no seu primeiro mandato, teve méritos indiscutíveis. Basta pensar nas políticas sociais adotadas por seu governo.
O Bolsa Família, pilotado com competência e seriedade pelo ex-ministro Patrus Ananias, foi uma importante ferramenta de inclusão.
Mas era preciso que esse instrumento, aos poucos, introduzisse seus destinatários na cidadania. Isso não ocorreu.
Os programas sociais, cuja validade não contesto, renderam milhões de votos, mas não fizeram cidadãos.
Só a educação é capaz de transformar eleitores cativos em pessoas livres, e a educação não foi um quesito valorizado no governo petista.
E fica patético continuar falando da "herança maldita do governo neoliberal".
Somados Lula e Dilma, são 12 anos de PT no poder. Não dá mais para debitar os problemas em conta alheia.
A última fase do governo Lula, marcada por constantes e crescentes episódios de corrupção, cumplicidade com oligarquias nefastas e manifestações de desprezo pelas liberdades públicas, fizeram com que a imprensa apenas cumprisse o seu dever: informar, apurar, denunciar.
O papel fiscalizador da mídia, algo absolutamente normal em qualquer democracia do mundo, passou a ser encarado pelos petistas como ação planejada por "setores da elite e da mídia monopolizada".
Mas, afinal, amigo leitor, o que a imprensa tem feito para provocar tanto ódio ideológico, tanto rancor, tanta fúria?
A resposta é muito simples: tem informado.
A informação independente, profissional, sem cabresto é algo que incomoda.
Nas democracias há sempre uma tensão entre os políticos e a imprensa. E é bom que seja assim.
Nas ditaduras não é assim. Em Cuba, modelo tão louvado por Lula e matriz do bolivarianismo, um grupelho manda e o resto obedece.
Não há contraponto. Existe apenas o silêncio imposto pelos opressores.
Reconheço que Dilma, não obstante seu viés ideológico radical e seu despreparo como governante, é diferente.
Honrou seu compromisso de não agressão à liberdade de imprensa.
Irrita-se Lula porque a imprensa não se cala diante do seu exibicionismo de contradições e desfaçatez.
Em recente entrevista à TV portuguesa, chegou a ponto de interromper a entrevistadora que queria saber o grau de suas relações com José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares.
"Não se trata de gente da minha confiança."
Fantástico!
As denúncias da imprensa sobre os desmandos na Petrobrás, consistentes e sólidas como uma rocha, não provocam no ex-presidente a autocrítica que se espera de um estadista.
Ao contrário. Sua ordem é "ir para cima" de quem represente um risco para o projeto de perpetuação do PT no poder.
Incomoda-se Lula porque os jornais desnudam suas aparentes contradições, que, no fundo, são o resultado lógico da práxis marxista: o fim justifica os meios.
O compromisso com a verdade é absolutamente desimportante. O que importa é o poder.
Em agosto de 2006, quando o escândalo do mensalão estourou, Lula falava: "Quero dizer, com franqueza, que me sinto traído. Não tenho vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos de pedir desculpas".
Agora, na alucinante entrevista à TV portuguesa, Lula afirma rigorosamente o contrário: "O mensalão teve praticamente 80% de decisão política e 20% de decisão jurídica".
É um ex-presidente da República, responsável pela nomeação de 8 dos 11 integrantes do Supremo Tribunal Federal, acusando a Corte de cumplicidade na "maior armação já feita contra o governo".
Não é de hoje a fina sintonia do petismo com governos autoritários.
O Foro de São Paulo, entidade fundada por Lula e Fidel Castro, entre outros, e cujas atas podem ser acessadas na internet, mostra que não há acasos.
Assiste-se, de fato, a um processo articulado de socialização do continente de matriz autoritária.
E o ex-presidente da República é um dos líderes -- talvez o mais expressivo -- dessa progressiva estratégia de estrangulamento das liberdades públicas.
Cabe à imprensa, num momento grave da história da democracia, denunciar a tirania que se tenta armar, mesmo quando camuflada pela legitimidade das urnas.
É preciso denunciar as estratégias gramscianas de tomada do poder.
O papel da imprensa não é estar do lado do poder e, muito menos, aplaudir unanimidades momentâneas.
Nossa função é mostrar o que é verdadeiro e relevante.
Tentativas de controle dos meios de comunicação, flagrantemente inconstitucionais, serão repudiadas pela imprensa séria e ética, pelos formadores de opinião (que não vendem sua consciência em balcões de negócios) e pela sociedade.
Os brasileiros apreciam a democracia. Assim como condenaram os regimes de exceção, não aceitam projetos autoritários que, sob o manto da justiça social, anulam um dos maiores bens da vida: a liberdade.
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*Carlos Alberto Di Franco é doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor do departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais. E-mail: difranco@iics.org.br