O silêncio dos nada inocentes 13/05/2014
- Vinicius Torres Freire - Folha de S.Paulo
O leitor, que é perspicaz, terá notado a falta de más notícias do mundo exterior. Isto é, de notícias de invasões bárbaras dos povos do mercado lá de fora.
O fim do mundo parecia próximo em fevereiro, pelo menos a julgar pelas arruaças que os donos do dinheiro grosso promoviam em países "emergentes", como nós.
Na falta de especulações negativas e demenciais, o clima parece ter despiorado até por aqui, pelo menos na finança.
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A calmaria é suspeita, claro. Está bom demais para ser verdade. As Bolsas mundiais estão no nível mais alto desde 2007 (se medidas pelo índice MSCI All Country World, do Morgan Stanley). O Dow Jones da Bolsa de Nova York está em nível recorde, o S&P 500 pertinho disso. O preço das commodities (matérias-primas e agropecuários cotados em Bolsas de Valores) voltou a subir animadamente.
Não há "fundamento", motivo econômico "real", "crescimento sustentável", para tanta animação (como se fosse necessário, claro. Mas essa era a ideia original da coisa).
Por ora, os povos dos mercados descartam alta de juros nos Estados Unidos, hipótese altista que deu início à série de tumultos vistos entre maio de 2013 e fevereiro de 2014.
Há ainda mais dinheiro sobrando no mundo. Os negócios com abertura de capital (venda inicial de ações de uma empresa, "IPOs") não estavam tão aquecidos desde 2010.
Isso tudo nos contamina. Uma parte da dinheirama pinga aqui, atraída de resto pela nossa maquiagem vistosa, taxas de juros indecentes de altas e um câmbio administrado pelo Banco Central, para nem mencionar os preços de liquidação a que chegaram ações e títulos de dívida brasileiros no tumulto do início do ano.
Então, provisoriamente e de público, os povos dos mercados param de matraquear sobre o fato de o Brasil ser "frágil", embora, para o bem ou para o mal, estejamos na mesma desde o ano passado.
Essa conjunção de maluquices e oportunidades de ganho gordo leva o dólar a R$ 2,21, barato demais para o nosso estado de coisas.
Uma especulação doida adicional, a da hipótese de derrota de Dilma Rousseff, por ora muito incerta, dá uma forcinha ao real e uma vitaminada impressionante no preço das ações, de estatais e da Petrobras em particular.
As empresas brasileiras grandes e boas aproveitam os dias de tempo bom e pegam mais dinheiro emprestado lá fora, a bom preço, dobrando a quantidade de "captações" em relação ao ano passado.
"Na real", continuamos a definhar de modo lento, gradual e seguro. As vendas nos supermercados perdem força, há recessão nas montadoras, a indústria encolheu no trimestre, menos gente trabalha nas grandes metrópoles, a confiança de consumidores e empresários cai ao nível do feio 2009.
Dólar mais barato, tabelamentos informais de preços e juros outra vez indecentes seguram a inflação abaixo de 7%.
O Brasil não vai "explodir", como diz a presidente Dilma. Vai dar chabu.
Nada trágico, fundamentalmente nada de novo desde 2012, quando o Brasil entrava num esquema "dois por meia dúzia" (crescimento de 2% com inflação de 6%).
A calmaria não deveria nos iludir. É parte do ciclo de transtorno multipolar dos "mercados".