Demais até para o Senado 26/05/2014
- O Estado de S.Paulo
Nem sua base mais fiel e articulada no Congresso -- a do Senado, que não lhe tem causado surpresas nem dissabores como tem feito a da Câmara -- engoliu com docilidade a tentativa do governo de estender o regime especial de contratações para todas as licitações públicas.
Apontada pela oposição como favorecedora da corrupção, a medida passou a ser criticada também por senadores governistas.
Se não tivesse recuado, o governo seria derrotado, com muitos votos de seus aliados.
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Agiu bem o Senado, ao limitar-se a votar, e aprovar, a versão original da Medida Provisória (MP) n.º 630, que estende o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) a obras do sistema penitenciário, rejeitando desse modo a universalização desse regime criado em caráter excepcional para obras da Copa do Mundo e da Olimpíada de 2016.
Quando até mesmo um dos mais fiéis membros da base governista, como o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) -- pré-candidato de seu partido ao governo do Rio de Janeiro --, passou a criticar a tentativa de estender o RDC para todas as obras públicas, por ver na medida o sério risco de ampliação da dependência do poder público às empreiteiras e de perda de capacidade de planejamento do Estado, ficou claro que a proposta enfrentaria grande resistência no plenário do Senado.
Resultado de emenda à MP 630 elaborada pela senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), ex-chefe da Casa Civil, a ampliação do RDC já foi aprovada pela Câmara. Por isso, o texto que passou no Senado deverá ser examinado pelos deputados, que têm prazo até 2 de junho para isso.
A emenda de Gleisi desfigurava por completo a MP 630, editada pelo governo como tentativa de resposta ao agravamento da crise do sistema prisional, evidenciado por uma rebelião no Maranhão.
Mesmo criticado desde sua instituição em 2011 -- alegadamente para tornar mais rápidas as licitações de obras ligadas à Copa do Mundo e à Olimpíada de 2016 --, o RDC foi estendido pelo governo Dilma Rousseff para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Sistema Único de Saúde (SUS) e dos sistemas públicos de ensino.
Ampliar ainda mais seu uso, como pretendia a senadora paranaense, com o apoio do Palácio do Planalto, atropelaria a Lei das Licitações. Acordo articulado pelo Planalto permitirá a aceleração do exame do projeto de revisão da Lei de Licitações elaborado por uma comissão especial do Senado e que tem como relatora a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO).
O RDC reduz prazos, altera fases da licitação e permite a contratação integrada, por meio da qual uma empresa ou um consórcio é contratado para executar toda a obra, desde o projeto até o acabamento.
O projeto de conversão de Gleisi transforma uma exceção -- de aplicação limitada, mas nem por isso menos condenável por sua essência -- em regra, na prática destruindo os mecanismos utilizados pelo poder público para conter, sem êxito completo, favorecimentos e outras irregularidades na contratação, fiscalização e pagamento de obras públicas. Tornava mais frágil o que já é falho -- daí a resistência à proposta.
Além disso, os resultados do emprego do RDC, nos casos limitados em que seu uso já é permitido, não justificariam nem sua instituição, quanto mais sua universalização.
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) e o Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco) dizem que o ganho máximo propiciado pelo RDC é a redução do tempo da licitação. Mas ressalvam que esse ganho é dissipado nas etapas seguintes.
Conforme levantamento realizado por eles, de 16 contratos de obras de mobilidade urbana e acesso aos estádios -- obviamente programadas tendo em vista a Copa do Mundo --, apenas 1 foi inteiramente cumprido. De 26 contratos para obras em aeroportos, só 3 foram encerrados no prazo.
Por não melhorar o desempenho do setor público nem propiciar a conclusão mais rápida das obras e, sobretudo, por abrir mais portas para a corrupção, o regime especial não deve ser ampliado. A exceção não pode virar regra.