O Senado recebeu uma proposta de emenda constitucional que, se aprovada, terá o poder de provocar um regresso desolador na administração pública brasileira, já bastante ultrapassada.
A PEC 63 estipula que magistrados, procuradores e promotores de Justiça recebam aumentos de 5% do salário a cada cinco anos de serviço em atividade jurídica, até o adicional máximo de 35%.
Aposentados e pensionistas terão direito ao benefício, que será calculado de modo retroativo e pode referir-se também aos anos de trabalho na advocacia. A proposta autoriza que esses extras não sejam limitados pelo teto do serviço público, hoje em R$ 29,4 mil.
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A promoção salarial por tempo de serviço e outras vantagens eram permitidas nos porões de uma legislação destinada a facilitar que a corporação dos servidores, ou seus membros mais espertos, se apropriasse injustificada e progressivamente dos impostos.
A reforma administrativa de 1998 deu cabo de grande parte dessa indústria dos adicionais. A PEC 63 abre espaço para seu retorno.
Se o teto constitucional desaparecer no Judiciário, outras categorias reivindicarão regalia semelhante -- e não é difícil supor que serão atendidas no Congresso ou, por ironia, via decisão judicial.
O apoio à emenda denota alheamento da realidade financeira do Estado e das disparidades salariais no país. O salário de juízes federais já equivale ao de quem está no 1% mais alto da distribuição de rendimentos.
Membros das mais diversas entidades e instâncias judiciárias defendem a proposta. Argumenta-se que os servidores em questão são "diferenciados"; seriam "agentes do poder político", personificando "órgãos estatais fundamentais".
Suas carreiras não seriam, ademais, pautadas pelas normas de outros setores do funcionalismo, que permitem diferenciação progressiva de vencimentos.
No Judiciário, segue o argumento, ocupantes de um certo posto recebem o mesmo salário, não importa a antiguidade; é preciso premiar a experiência, criar incentivos para atrair ou manter os profissionais no Estado e dar condições monetárias para a isenção em julgamentos e investigações.
Com uma ou outra mudança, tais argumentos são válidos para representantes de outros Poderes e para todos os demais servidores.
Não se vê a defesa de prêmios por eficiência ou de um modo de organizar as carreiras judiciais que não implique ônus adicionais ao erário.
Pleiteia-se apenas um privilégio que vai desordenar a administração pública e o controle de gastos, inspirando uma corrida em busca de vantagens especiais.
O Senado não pode aprovar tal regresso. O país, agastado com excessos e abusos do setor público, certamente não o aprova.