Em abril de 2012, o governo da presidente Dilma Rousseff (PT) pôs R$ 12,4 bilhões à disposição de governadores e prefeitos, a fundo perdido, no quadro do PAC Mobilidade-Grandes Cidades.
Era de esperar, sobretudo após os protestos de 2013, que os políticos se lançassem como moscas ao mel federal. Não foi o que ocorreu, entretanto.
O jornal "Valor Econômico" mostrou que apenas R$ 479 milhões daquele montante foram de fato sacados por Estados e municípios para construir ou ampliar corredores de ônibus e metrôs.
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Como explicar que políticos contrariem o que parece ser sua própria natureza -- para a maioria, governar não vai além de fazer obras, ou pelo menos inaugurá-las --, ainda mais quando o tema da mobilidade está tão em evidência?
A julgar pelas cifras, tudo se passa como se as manifestações de junho não tivessem ocorrido. Algo de espantoso, tendo em vista que contratos de obras de infraestrutura também participam de um sistema de vasos comunicantes que alimenta as campanhas eleitorais.
O nível baixo de captação no manancial federal de verbas para mobilidade urbana permaneceu mesmo após sucessivos adiamentos de prazos. De início, os governos locais e estaduais tinham de apresentar projetos até outubro de 2013. Depois, ficou para dezembro. Em seguida, para junho deste ano.
Tudo indica que o termo crucial dessa inequação é a palavra "projeto". Tanto a administração pública como as empresas privadas enfrentam dificuldades para formular projetos de engenharia aptos a obter a aprovação dos órgãos financiadores. Na raiz dessa incapacidade estaria a carência de mão de obra qualificada.
Em consequência, muitas grandes obras acabam sendo licitadas apenas com apoio em projetos básicos e orçamentos genéricos, não raro de baixa qualidade.
Abertos os canteiros e iniciada a construção, evidencia-se a irrealidade de premissas e prazos assumidos. Sucedem-se os atrasos e aditivos contratuais, a fim de arcar com os custos da revisão.
Um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgado nesta semana esquadrinhou a execução de seis obras de infraestrutura iniciadas nos últimos quatro anos, entre elas a transposição do rio São Francisco. Concluiu que os atrasos as encarecem em cerca de R$ 28 bilhões -- o bastante para erguer 466 mil casas populares.
É dinheiro suficiente para fomentar a suspeita de que os adiamentos decorram não de falhas em projetos e incompetência técnica, mas de excesso de esperteza de alguns políticos e empresários.
Será interessante observar se algum candidato nas eleições deste ano apresentará proposta para dar cabo dessa indústria do atraso.