O mistério desfeito 05/06/2014
- O Estado de S.Paulo
Não conseguindo tapar o sol com peneira, mas tentando achar uma sombra para se proteger dos seus raios, nos últimos tempos a presidente Dilma Rousseff e o seu padrinho, Luiz Inácio Lula da Silva, deram de tratar como um mistério insondável a "difusa inquietação" dos brasileiros com tudo e mais alguma coisa.
É bem verdade, concedem, que o País não está no melhor dos mundos. Mas, apressam-se a reparar, o mundo lá fora também não está uma maravilha, principalmente o chamado Primeiro Mundo, cujos problemas econômicos, aliás, são a causa de nossa menos que perfeita situação.
Fechando o círculo, alegam que, ainda assim, as coisas estão de longe melhores do que eram antes de serem eleitos e de resgatarem da pobreza milhões de brasileiros.
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Em suma, o pessimismo que paira sobre o País como uma nuvem disforme não tem causas reais, objetivas, mensuráveis.
Vai ver, acusa Lula, é coisa insuflada pela mídia, no seu papel de partido de oposição e no afã de ver o relógio da história andar para trás, com a tomada do poder pelas forças que pregam abertamente a adoção de "medidas impopulares".
Pena que os descontentes os desmintam quando se lhes pede para dizer o que pensam, sem lhes perguntar como votariam se a eleição fosse hoje.
Foi o que fez o respeitado Pew Research Center, um dos principais institutos de pesquisa dos Estados Unidos, que a partir de 2010 tem tomado o pulso das populações de 82 países, entre eles o Brasil.
A mais recente sondagem que a entidade realizou no País ouviu 1.003 pessoas entre 10 e 30 de abril.
O resultado espantou os próprios patrocinadores do levantamento.
"O nível de frustração expressado pelos brasileiros em relação à direção de seu país, sua economia e seus líderes não tem paralelo em anos recentes", afirma o Pew.
Foi como se o Brasil tivesse passado por uma crise ou ruptura institucional, a exemplo do Egito, comenta Juliana Horowitz, a responsável pelo trabalho.
O núcleo da mudança, que dá origem à comparação, foi a multiplicação dos insatisfeitos com a situação do Brasil.
No ano passado, eram 55% dos entrevistados, praticamente o mesmo índice de 2012 (nos primeiros meses do governo Dilma, eram 46%). São agora 72%, grosso modo 3 em 4 brasileiros.
De "difuso", o descontentamento não tem nada. As pessoas estão zangadas -- e sabem perfeitamente com o que.
Com o estado "ruim" da economia, para começar, responderam 67% (ante 36% em abril de 2013). Ou, trocando em miúdos, com a inflação.
A carestia foi citada como o maior problema do País por 85% dos ouvidos -- superando a criminalidade e o atendimento médico (83%).
E surpreendentes 72% destacaram a falta de empregos.
Como seria de esperar, o desempenho da presidente em relação aos problemas econômicos do País foi reprovado por 63% dos entrevistados.
Mas, como talvez não fosse de esperar, ainda pior é a avaliação de seus atos diante de oito outros problemas-chave.
Em face da corrupção, por exemplo, Dilma foi criticada por 86% da amostra.
Ela também foi reprovada no quesito "preparação para a Copa do Mundo", por 2 em cada 3 entrevistados.
O público condena a própria "Copa das Copas" que a presidente prevê com temerário otimismo.
O torneio é "ruim" para o Brasil, julgam 61% das pessoas, porque "tira dinheiro dos serviços públicos".
Metade desse contingente (32%) discorda, porque a Copa "cria empregos".
No "país do futebol" é pouco torcedor.
Chama ainda a atenção a queda muito acima da média da instituição "governo nacional", em comparação com outras oito.
A parcela dos que o reprovam disparou de 47% em 2011 para 75% agora.
Não está claro se essa variação foi alimentada pelos protestos do ano passado, mas a pesquisa mostra uma nítida divisão de opiniões sobre as manifestações (48% contra, 47% a favor).
Divididos também estão os brasileiros em relação à presidente: 51% disseram ter uma opinião favorável sobre ela; 49%, o contrário. (A margem de erro do levantamento é de 3,8 pontos.)
Diante das razões da insatisfação dos brasileiros, é um alento para a candidata.
Aécio Neves é bem visto só por 27% e Eduardo Campos, por 24%.
Eles vão ter de tornar mais conhecidos os seus presumíveis atributos.