Não foi como das outras vezes. Aquele clima de Copa do Mundo, sensação que ninguém explica, mas todos reconhecem, chegou mais tarde do que em anos anteriores -- e muito atrasado em relação ao que seria de esperar sendo o Brasil o anfitrião do evento.
Mas chegou. O país do futebol enfim se revela nas bandeiras, ainda um pouco tímidas, que pegam carona nos carros ou se exibem nas janelas.
Aos poucos, assuntos sem relação com o Mundial vão sendo deixados de lado; cada vez mais é o "escrete canarinho" que importa -- e mesmo seleções estrangeiras atraíram milhares a seus treinos.
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Os problemas, é claro, estão aí. Vêm de séculos, e seria um disparate imaginar que o torneio pudesse resolvê-los.
Da mesma forma, seria um equívoco apostar no esporte para ocultar a imensa lista de mazelas que aflige a população.
A obsoleta mentalidade do "pão e circo" sofreu um desmentido inaudito no mês de junho passado, quando multidões tomaram as ruas de todo o país.
O conjunto da sociedade revelou sua insatisfação com os serviços públicos: transporte, saúde, educação, segurança, saneamento e inúmeros outros deveres do Estado receberam merecidas críticas.
Os protestos concentraram e catalisaram a exasperação com a corrupção, com a inflação, com o crescimento pífio da economia.
Sinal dos tempos, nem a Copa foi preservada. Desabou o apoio à realização do Mundial, passando de 79%, em 2008, para 51% às vésperas da estreia do Brasil.
Há, além das denúncias de desvios, o contraste entre os estádios suntuosos, de altíssimo padrão, e a realidade do que os governos oferecem em troca de pesados impostos.
O futebol, formador da identidade nacional, tem sido há um ano o ponto de fuga das demandas populares.
Faz sentido, assim, que alguns se disponham a protestar mesmo durante a Copa.
Os atos, desde que pacíficos, darão o testemunho do quanto o país amadureceu nestas décadas de democracia.
Maturidade democrática, aliás, que deve incluir a capacidade de diferenciar resultados esportivos de êxitos políticos; o desejado sucesso da seleção, ou seu eventual fracasso, será dos jogadores, da comissão técnica e do povo brasileiro, mas não de seus governantes.
Se o fenômeno cultural do futebol tem inegável dimensão política, é crucial distinguir as esferas.
Do contrário, num contexto de efervescência social, o inocente gesto de apoiar a seleção, nos estádios ou fora deles, acabaria sujeito a reprimendas.
Nada mais infeliz do que censurar a felicidade alheia.
É de resto um despropósito torcer contra o Brasil. Os únicos que têm a ganhar com nossa derrota são os adversários, pois aos brasileiros restará apenas a tristeza.
Sem abandonar o espírito crítico, mas reconhecendo a importância do futebol para o país, esta Folha deseja boa sorte à seleção brasileira.
Que a torcida repita o comovente espetáculo promovido na Copa das Confederações, e que os jogadores retribuam com seu máximo esforço o apoio recebido.