Ciência e marketing 13/06/2014
- Blog de Reinaldo Azevedo - Veja.com
Pois é… Não estou comparando pessoas, mas situações e estilos, que fique claro! Lembro como era difícil até mesmo perguntar se o marketing que acompanhava Eike Batista -- que também vivia cercado de especialistas estelares -- não era exagerado.
À menor menção de que havia algo de errado, de inflado, naquele mundo de apostas tão altas, vinha a resposta, na forma da indagação desqualificadora:
“O que é que você entende de petróleo? O que é você entende de logística? O que é que você entende de portos?”.
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Como, obviamente, eu não era, e não sou, especialista em nada disso, a desconfiança não prosperava, não é?
Deu no que deu.
No máximo, teria conseguido me proteger se tivesse investido dinheiro em outra coisa.
Mas isso também não fiz por falta de dinheiro, hehe.
Imaginem um pobretão, como eu, pondo em dúvida as certezas que Eike vendia a peso superior ao do ouro!…
Também não entendo nada de exoesqueletos, mistérios do cérebro, essas coisas difíceis.
Mas sei reconhecer quando um esquema de marketing anda mais depressa do que a própria ciência.
Se gente especializada diz que o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis é sério, quem sou eu, não é?, para dizer o contrário?
Há tanta gente que aposta nele, inclusive com verba pública, o seu projeto é tão grandioso…
Mas eu me pergunto: hoje ao menos, não há uma fama muito superior ao proveito?
O que Nicolelis tem contra seguir algumas medidas prudenciais, prática corriqueira no mundo inteiro, como explicitar, em publicações especializadas os seus feitos, o que ainda não aconteceu no caso do projeto “Andar de Novo”?
Em que isso prejudicaria as suas descobertas?
Alguém que fala com tanta desenvoltura com a imprensa e que é tão bom para gerar notícias não poderia ser um pouco mais recatado e generoso com seus pares, expondo os detalhes de suas conquistas?
Mais: há gente séria que diz que não se trata exatamente de uma tecnologia nova, a exemplo do que afirma à VEJA.com Alberto Cliquet Júnior, professor titular do departamento de Ortopedia e Traumatologia da Unicamp e de Engenharia Elétrica na Universidade de São Paulo:
“É um show para abertura da Copa, sem mostrar grandes avanços científicos. Em 2012, uma paraplégica correu uma maratona com um exoesqueleto e essa não é uma tecnologia nova. Além disso, a estrutura é muito pesada, de 70 quilos e, se houver uma queda, isso pode levar a graves lesões -- pessoas com lesões medulares costumam ter osteoporose e qualquer queda é perigosa. O exoesqueleto não vai resolver o problema de quem tem lesões medulares”.
Ocorre que, mesmo como show, parece que a coisa deixou um pouco a desejar, e a performance certamente não esteve à altura das expectativas que gerou.
Reitero: não estou subestimando o trabalho ou sugerindo que eu tenha competência técnica para contestá-lo.
Não tenho. Mas sei reconhecer quando o marketing supera em muito a realidade.
Em benefício de milhões de pessoas mundo afora, torço muito para que as realizações de Nicolelis estejam, um dia, à altura de sua capacidade de gerar notícia.