Não chega a ser surpresa que vá atrasar a geração de energia pela usina de Belo Monte. Já em dezembro, segundo reportagem que esta Folha de S.Paulo publicou sobre o maior empreendimento hidrelétrico do país, sabia-se que a operação da primeira turbina ultrapassaria em alguns meses o prazo previsto, fevereiro de 2015.
O atraso, porém, afigura-se bem mais sério. Em correspondência enviada à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), a concessionária Norte Energia S.A. propõe novo cronograma que adia todo o projeto em pelo menos um ano.
A empresa culpa os suspeitos de sempre: licenciamento ambiental, greves e bloqueios dos canteiros por grupos contrários à hidrelétrica. Tudo isso é parte da verdade, mas não é a verdade toda.
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Atrasos em obras de infraestrutura são a regra. Licitações bilionárias se realizam com base em projetos básicos e informações inadequadas. Relatório da CNI (Confederação Nacional da Indústria) passou pente-fino em seis empreendimentos recentes e concluiu que as demoras acarretaram custos adicionais da ordem de R$ 28 bilhões.
Os prazos considerados são em geral irreais, a começar pelo burocrático licenciamento ambiental, também lastreado em dados incompletos. Como o aprofundamento dos estudos de impacto e as providências de remediação só começam após a concessão, a obra física ganha prioridade sobre as compensações socioambientais e dão margem ao sem-número de revisões, ações e liminares judiciais.
Há, além disso, deficiências graves no planejamento da construção de hidrelétricas, e não só no Brasil.
Um estudo da Universidade de Oxford (Reino Unido) publicado neste mês no periódico "Energy Policy" examinou 245 barragens erguidas de 1934 a 2007, ao custo de US$ 353 bilhões (preços de 2010).
Constatou que 75% dos projetos enfrentaram aumentos de custos, em média de 96%. O viés de subestimação de prazos e preços não melhorou no período e está presente nos cinco continentes.
A Norte Energia pede à Aneel isenção de responsabilidade pelo atraso, que resultaria de atos do poder público ou de casos fortuitos e de força maior. Ou seja, a concessionária almeja livrar-se do ônus financeiro representado pela energia prevista em contrato que deixará de ser entregue.
"Atrasos têm consequências funestas", ensinou Shakespeare no drama histórico "Henrique 6º". Funestas e dispendiosas, seria o caso de acrescentar. Compete à Aneel e à Norte Energia encontrar maneiras de reduzir ao máximo as perdas, que em última análise recairão sobre o consumidor e o contribuinte brasileiro.