Futebol e ansiedade 21/06/2014
- ROBERTO DAMATTA - O Estado de S.Paulo
Antes do jogo Brasil e México, lembrei-me de Dostoievski. Ele se perguntava se era possível chegar perto de uma roleta sem se tornar supersticioso.
O futebol é mais perverso, porque pode ser visto como uma técnica de corpo, um "esporte", e também como um "jogo". Esporte é diversão; jogo, porém, exige aposta ou palpite.
Leva a investimento emocional (a tomar um partido) que envolve honra, vergonha e orgulho.
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Apostar pode ser a diferença entre riqueza e pobreza; perder no futebol pode levar a vergonha nacional, como na Copa de 50.
Na Inglaterra, há "matches" (engajamentos ou partidas) nos estádios e apostas nos cassinos onde há "gamble" (jogo de azar).
No Brasil, futebol é mais jogo do que esporte.
As apaixonadas "discussões de futebol" têm origem nesse contraste.
De um lado, há certezas -- um time com o melhor jogador do mundo deve ganhar, o país que reúne os melhores clubes não pode sofrer derrotas "vergonhosas", campeões têm "obrigação" de vencer.
Do outro, há o que chamamos de "coisas do futebol" -- os imprevistos cujos resultados contrariam nossas mais razoáveis (e "justas") expectativas.
Nessa dimensão entram o gol contra, o ponto nos primeiros segundos do jogo, o frango do grande goleiro, a furada e o pênalti perdido.
Não há como ficar indiferente a essa atividade que, como uma tempestade de verão ou uma paixão, promove as frustrações de uma devastadora experiência humana: a terrível indiferença da realidade.
O real que tanto pode nos levar à vitória quanto à derrota num mesmo jogo.
No futebol, experimentamos a angústia de descobrir que não há vitória para todos, que perder não tem nada a ver com vontade ou crença, e que o mundo se aproxima mais de Dante do que de Bilac.
No Brasil, acasalamos esporte com jogo, salientando seu lado imprevisto.
Joga-se no pavão e dá veado. Aposta-se na águia e dá burro.
Impossível não observar a ansiedade cuja fonte é a impossibilidade de prever resultados.
Talvez nisso resida a popularidade do futebol, por contraste com modalidades mais antigas, mas previsíveis, como o remo e o atletismo.
A ampliar essa ansiedade há um outro fator não menos notável: o futebol é, certamente, o esporte mais belo jamais inventado.
O campo verde demarcado em áreas profanas e sagradas; o amplo espaço no qual o jogo se realiza; os uniformes coloridos dos times; o fato de que, no futebol, temos um coletivo individualizado; como toda atividade baseada no desempenho, como o drama, o canto e a música, cada jogador faz o mesmo, mas cada qual à sua maneira; ademais, a possibilidade constante do erro, porque ele troca a mão (que nos tornou humanos, precisos) pelos pés, que nos tornaram eretos, a olhar para a frente e para o alto.
Devo também mencionar a bola redonda, pronta a ser conquistada.
Tudo isso promove um retorcer de almas.
Mas o que realmente nos mobiliza é ver "nosso time" jogando. Porque é com ele que a esperança nos sufoca.
É dopado pela ansiedade que acabo de ver o empate vitorioso do México.
Porque empatar, como dizia tio Marcelino, é como bro...