Tiroteio a esmo 24/06/2014
- Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
A julgar pelos discursos dos três oradores que importavam na convenção nacional do PT -- considerando que Michel Temer estava ali por honra da firma --, Rui Falcão, Luiz Inácio da Silva e Dilma Rousseff, por ordem de entrada em cena, o partido ainda não chegou a um acordo sobre qual a abordagem mais eficaz junto ao eleitor de 2014.
Cada qual foi numa direção diferente, não raro dizendo uma coisa em oposição a outra. Um exemplo: Falcão, o presidente do partido, avaliou que essa será a eleição mais difícil que o PT já enfrentou e pregou a guerra contra a oposição "homofóbica, odienta e fundamentalista".
Lula, o presidente de honra, afirmou que é preciso parar de dizer que a eleição será difícil; Dilma, presidente da República, pregou uma campanha "da paz", sem rancor.
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Eram três personagens encarnando três papéis diversos no palco.
Sim, são pessoas diferentes, mas do roteiro de um partido que procura um mesmo objetivo espera-se ao menos unidade de pensamento. Não foi o que se viu no último sábado.
Rui Falcão entrou para, como se dizia antigamente, botar fogo na roupa, fazer do ressentimento um motor do entusiasmo genuinamente inexistente pela candidata.
O que faltava de ardor por Dilma sobrava no clamor do grito "mídia fascista, sensacionalista", quando Falcão apontou os meios de comunicação como "arautos do mau humor que levam o negativismo para dentro da casa do povo".
Pode-se argumentar que o objetivo era mobilizar a militância.
Dois problemas nesse argumento.
Primeiro, o pequeno número de militantes ali presentes, devido à opção de fazer uma convenção em recinto acanhado, com a finalidade principal de produzir cenas para o programa de TV. Não seria dali que sairiam hordas de guerreiros.
Segundo problema: as propostas apresentadas como palavras de ordem para a militância são de fato palavras ao vento -- por inexequíveis --, e a direção partidária sabe disso.
Falou-se no plebiscito para a reforma política por meio de Constituinte exclusiva, marcando até data, 7 de setembro próximo -- sugestão já devidamente morta e enterrada.
Voltou-se a falar na "democratização dos meios de comunicação", sabendo-se que tal proposta não tem aceitação entre nenhum dos partidos com representação no Congresso além do PT.
Ou seja, convidou-se a militância a enxugar gelo.
Em seguida, falou Lula. Uma apoteose. Ali se viu quem o partido queria realmente como candidato, a quem o PT segue e venera.
Foi o Lula de sempre, das metáforas, da quase lógica, da mistura de alhos com bugalhos, das mistificações, mas um exímio animador de auditórios.
Ao fim e ao cabo ficou a impressão de que vai jogar na tese de que inventou o Brasil Maravilha e que a ele os brasileiros devem toda sua gratidão.
Além de dizer que a eleição não será assim tão difícil, mas "sui generis", avisou aos adversários "que se preparem", pois o PT se elegeu primeiro por quatro anos, depois por mais quatro e mais quatro, "e pode ficar no poder até a metade do século 21".
Deve ter um plano e, pelo jeito, passa pela máquina do Estado.
Para encerrar a convenção, a presidente Dilma.
Em ritmo de anticlímax, com um discurso cansativo que provocou dispersão na plateia e visível tédio em petistas sentados às duas mesas montadas no palco.
Contrariando o tom dos antecessores e a própria personalidade, acenou com a "paz".
Por uma hora enumerou seus feitos naquele conhecido tom maçante.
"Produção de conteúdo para o horário eleitoral", justificava a assessoria.
Mas, se aborreceu os correligionários ao ponto de enrolarem suas bandeiras, deixarem o recinto para lanchar ou comprar na lojinha do PT nas salas ao lado e os que ficaram preferirem conversar, esse conteúdo é capaz de não entusiasmar muito o eleitorado.
Ao contrário, porém, do "jingle" da campanha, "Coração valente", um forrozinho bom que só.