A derrota da Seleção e a de Dilma 04/07/2014
- Reinaldo Azevedo - Folha de S.Paulo
Sempre temi pelo dia em que isto aconteceria: a população demonstrar mais serenidade, bom senso e objetividade do que parcela considerável dos analistas políticos.
Temia porque a "catchiguria" ainda tem lá a sua responsabilidade na formação da opinião e, em tese ao menos, dispõe de instrumentos para avaliar com mais precisão a realidade.
Afinal, uma de suas tarefas é tentar revelar a essência sob a aparência das coisas, de sorte que o "véu diáfano da fantasia" (Eça) não esconda "a nudez forte da verdade".
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Sempre temi, sim, por este momento, mas também não sou do tipo que lamenta a sorte do mundo: bem-vindo, povão, às luzes!
Já estava na hora de aposentar os que insistem em cegá-lo com a clareza das ideias mortas.
Ah, os iluministas mequetrefes de anteontem!
Enigmático? Nem tanto.
Pesquisa Datafolha publicada na edição de quinta-feira (3) desta Folha demonstra que o segundo turno na eleição presidencial continua uma realidade tão palpável quanto há um mês (38% de Dilma contra igual número dos adversários) e que a diferença da presidente (re)redisputante para seus adversários na rodada final variou na margem de erro, mas com distância numérica menor: 7 pontos contra Aécio Neves, do PSDB (46% a 39%), e 13 pontos contra Eduardo Campos, do PSB (48% a 35%).
Ocorre que só 1% dos entrevistados não conhecem a petista, número que chega a 19% no caso do tucano e a 36% no do pessebista.
Dizem conhecê-la "muito bem" 50% dos entrevistados -- só 16% afirmam o mesmo sobre Aécio, e 7% sobre Campos.
Se os petistas querem comemorar, por mim, tudo bem!
Prefiro, por princípio, a euforia à depressão.
Sigamos.
A Copa do Mundo se realiza sem maiores atropelos -- este que escreve, felizmente, nunca disse o contrário, nem aqui nem em lugar nenhum.
Também tratei como rematada tolice essa história de "Não Vai ter Copa", além de achar que a cadeia é um bom lugar para bandidos mascarados, sequelados pelo excesso de achocolatados e cereais matinais e pela falta de um pai e de uma mãe que os amem com mais severidade.
Em Dois Córregos, "black bloc" não é ética, não é estética, não é tática; é só falta de cinta.
O Datafolha constatou que 63% são favoráveis à realização do torneio no país (só 27% se opõem), embora 46% considerem que ele traz mais prejuízos do que benefícios (45%).
Os protestos provocam mais vergonha (65%) do que orgulho (26%).
A leniência oficial com a baderna, como se vê, teve o condão de tirar o povo da rua.
Gilberto Carvalho não bate papinho com baderneiro porque seja burro.
Sim, se a Seleção Brasileira for campeã, haverá ainda mais gente de peito estufado.
Torço para que aconteça.
A tristeza é má conselheira.
Começo a unir os fios deste texto.
As antevisões mais pessimistas sobre a Copa não se cumpriram nem vão se cumprir, e, no entanto, a situação eleitoral de Dilma é mais difícil agora do que antes.
Não seria difícil demonstrar que esta rodada do Datafolha lhe é mais negativa do que a anterior.
Os eleitores, contra a pregação dos iluministas de farol baixo, dão sinais de distinguir muito bem uma bola em campo de uma eleição em jogo.
E, se houver um resto de prudência lá pelas bandas do Palácio, a Copa do Mundo, mesmo com o hexa, será usada com parcimônia na campanha eleitoral.
Mas não serei eu a lutar para que João Santana faça a coisa certa.
A vigarice intelectual tenta transformar o tal "pessimismo com a Copa" numa espécie de metáfora -- ou metonímia -- do suposto "pessimismo com o Brasil".
Também as críticas ao governo e o legítimo esforço para apeá-lo do poder segundo as regras do jogo seriam obra de pessoas de maus bofes, que saem por aí a espalhar o rancor e a amargura -- coisa, enfim, de quem deveria deixar "estepaiz", já que se mostra incapaz de amá-lo...
Com todo o respeito, a tese de que o Brasil precisa perder a Copa para Dilma perder a eleição é só uma trapaça intelectual de quem quer que Dilma vença a eleição, ainda que o Brasil perca a Copa.