O antimilagre econômico do governo brasileiro 05/07/2014
- Rolf Kuntz - O Estado de S.Paulo
Milagre econômico, no Brasil, na Alemanha ou no Japão, é só um exagero de linguagem, mas antimilagre é uma realidade inegável.
Se alguém duvidar, examine os números da indústria, das contas externas, do investimento produtivo e do crescimento do produto interno bruto (PIB) nos últimos quatro anos.
De janeiro a junho -- só para citar um exemplo -- a corrente de comércio foi 2,8% menor que a de um ano antes, com redução tanto das exportações quanto das importações. É um claro sintoma de graves desarranjos na economia.
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Na maior parte do mundo, governos comuns, sem talentos excepcionais e sem poderes mágicos, derrubam o crescimento para conter a inflação, fechar buracos nas contas externas ou controlar a dívida pública -- muitas vezes para cuidar de todos esses problemas ao mesmo tempo.
Essa política pode ser dolorosa, mas com frequência é inevitável.
Numa exibição de virtudes extraordinárias, o governo da presidente Dilma Rousseff realizou a mágica oposta: reduziu o crescimento industrial, espalhou a insegurança entre empresários e consumidores e fez encolher o comércio exterior sem atacar um só desajuste fundamental.
O desemprego medido pelo Pnad, 7,1% no primeiro trimestre, supera o de várias economias desenvolvidas.
É como se o País sofresse os efeitos penosos de uma terapia severa -- mas sem terapia.
Esse antimilagre se explica por uma combinação desastrosa de vários fatores -- diagnóstico errado, confusão de objetivos, voluntarismo, populismo e sujeição das decisões econômicas a interesses pessoais e partidários.
O problema do diagnóstico bastaria, sozinho, para causar boa parte dos estragos dos últimos anos.
As primeiras ações a partir da crise global podem ter sido corretas, ou pelo menos justificáveis, mas as condições mudaram e a política, apesar disso, foi mantida.
Desde o fim de 2008 o governo tenta estimular a economia como se o País estivesse, em todo esse tempo, travado por problemas conjunturais.
Problemas desse tipo justificariam os estímulos ao consumo, assim como justificaram, em 2009, o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), bancado com subsídios pelo Tesouro e operado pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Lançado como ação provisória, em 2009, o programa foi prorrogado várias vezes e seu prazo atual terminará no fim do próximo ano.
Há muito tempo deixou de ser uma ação contracíclica, assim como os estímulos fiscais e financeiros ao consumo. As autoridades, no entanto, nunca admitiram esse fato.
O impacto recessivo da crise de 2008 durou até 2009 para o Brasil e para a maior parte dos emergentes, mas o governo brasileiro continuou agindo como se o quadro nunca tivesse mudado.
O diagnóstico de crise conjuntural pode ter sido correto em 2008 e 2009, mas o governo deveria tê-lo abandonado há muito tempo.
Ao mantê-lo, manteve também uma estratégia esgotada, custosa, inflacionária e ineficaz -- uma paródia de política keynesiana.
Ao insistir em ações de efeito conjuntural, o governo tratou como desafios de curto prazo problemas estruturais.
A percepção desses problemas parece ter sido sempre muito fragmentada e, além disso, prejudicada pela insistência em atribuir o baixo crescimento da economia nacional a causas externas.
A alardeada redescoberta do planejamento nunca foi além da retórica.
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), inventado em 2007 e mantido a partir de 2011, nunca foi mais que uma costura malfeita de retalhos juntados sem efetiva articulação e sem prioridades bem definidas.
Acabou servindo para um discurso mistificador, ao incorporar, por exemplo, o plano de investimentos da Petrobrás.
Esse plano, atualizado regularmente, era parte da rotina da empresa e continuaria existindo sem o PAC.
Mais que isso: seria executado com eficiência muito maior sem a interferência de interesses políticos, pessoais e partidários.
Enfim, cada novo balanço confirma o peso desproporcional dos financiamentos imobiliários e das construções habitacionais no total das aplicações.
Sem surpresa, o PSI, o PAC, as desonerações e os estímulos fiscais e financeiros a setores e a grupos selecionados foram insuficientes para impulsionar a indústria e o investimento.
O total investido em capital fixo -- máquinas, equipamentos, construções e instalações particulares e obras de infraestrutura - continua na vizinhança de 18% do PIB.
A meta de 24%, padrão encontrado facilmente em outros emergentes, continua como promessa para um futuro indefinido.
O pífio desempenho da indústria -- de janeiro a maio produção 1,6% inferior à de um ano antes -- é apenas a continuação de três anos e meio muito ruins, segundo o IBGE.
Não se trata de problema conjuntural, mas de competitividade, disse na quinta-feira o gerente executivo de pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Renato da Fonseca.
A encrenca é reconhecida tanto no Brasil quanto no exterior.
A distância entre a produtividade brasileira e o padrão médio das economias desenvolvidas continua muito grande, segundo estudo publicado na semana pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A advertência vale para a maior parte dos emergentes, mas é especialmente importante para o Brasil, estagnado e cada vez menos competitivo.
O déficit comercial acumulado no ano só diminuiu de maio para junho (quando chegou a US$ 2,490 bilhões) porque as importações diminuíram.
Em junho a receita das vendas foi 3,2% menor que a de um ano antes, mas a despesa foi 3,8% inferior à de junho de 2013 -- mais um sinal de uma economia murcha.
Em pesquisa publicada em dezembro pela CNI, 64% dos consultados mencionaram ganhos de produtividade em suas empresas em cinco anos.
Mas só 7% avaliaram suas companhias como mais produtivas que as estrangeiras.
Doze por cento apontaram produtividade similar, 28% qualificaram suas empresas como menos produtivas e -- mais notável -- 53% nem sequer responderam.
Terá alguma autoridade, em Brasília, lido essa pesquisa?