Aos 17 minutos do primeiro tempo, no desastre de terça-feira (8), a seleção brasileira já perdia para a alemã por um a zero quando Marcelo, atendendo a um chamado do atavismo macunaímico, caiu na área, simulando um pênalti.
O zagueiro alemão Jérôme Boateng, cujo pai é ganês, se zangou. Deu-lhe uma bronca humilhante.
Os alemães execram esse teatro ridículo e têm uma palavra para defini-lo -- na verdade, uma metáfora: "Schwalbe", que quer dizer "andorinha".
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É um pássaro de asas curtas em relação ao corpo e que voa rente ao solo, lembrando o atleta que agita, desajeitado, os braços ao encenar uma falta que não existiu.
Boateng chegou a imitar com as mãos o voo da "Schwalbe".
Naquele pênalti patético cavado por Fred contra a Croácia, a imprensa alemã o chamou de "Schwalbinho", acrescentando à palavra o sufixo do diminutivo que costuma vir colado a nomes de alguns de nossos craquinhos.
Apesar da humilhação dos 7 a 1, nunca foi tão civilizado perder.
Os alemães vieram dispostos a conquistar também o coração dos brasileiros. Jogaram um futebol bonito, honesto, respeitoso.
Quando os canarinhos estavam sem ânimo até para imitar andorinhas, os adversários não começaram a dar toquinhos de lado, a fazer firulas ou gracejos destinados a humilhar quem já não tinha mais nada.
Ao contrário: um deles aplaudiu o gol de honra de Oscarzinho.
Nas redes sociais, deram a dimensão da própria vitória ao cobrir a nossa seleção e o nosso país de elogios.
"Respeite a amarelinha com sua história e tradição", recomendou Lukas Podolski.
"Vocês têm um país lindo, pessoas maravilhosas e jogadores incríveis -- esta partida não pode destruir o seu orgulho", escreveu Mesut Özil.
Os alemães vieram para reverenciar uma tradição. Por isso Boateng se zangou com Marcelo.
Era como se dissesse: "Levante-se daí, cara! Honre a sua história para me dar a glória de vencê-lo".
Marcelo, no entanto, parecia antever que aquele Brasil que estava em campo não sabia vencer porque, antes de tudo, não sabia perder -- daí o voo da "Schwalbe".
Se o futebol é metáfora da guerra, é preciso lembrar que a guerra também pode ter uma ética -- não quando se é Gêngis Khan.
Depois de se vingar de Heitor -- e como! --, Aquiles entrega o corpo do oponente para ser honrado pelo pai.
Só os vitoriosos mesquinhos -- e, pois, derrotados moralmente pela própria arrogância -- tripudiam sobre o vencido.
A vitória final é ser humilde no triunfo para que o outro possa ser digno na derrota, enobrecendo, então, aquele que conquistou o galardão.
Só existe honra quando se vence um forte.
Nesse sentido, o confronto, inclusive a guerra com regras, é uma forma de apuro ético.
E, obviamente, é possível ser indigno na paz.
Também a minha "andorinha" é metáfora.
A simulação da falta é um vício nacional. No futebol, na vida, na política.
Acusar o adversário de uma transgressão que ele não cometeu é uma falha moral grave.
Trata-se de reivindicar a licença para reagir àquilo que não aconteceu, tentando fazer com que o outro pague uma conta indevida.
Um dia antes da partida fatídica, a presidente Dilma Rousseff, demonstrando que anda com pouco serviço -- e só gente muito ocupada tem tempo de fazer direito o seu trabalho --, resolveu participar de um bate-papo numa rede social.
Exaltou o heroísmo de Neymar, discorreu sobre a garra do povo brasileiro e, ora vejam!, censurou os "urubus do pessimismo".
Desde o início do torneio, a presidente e seu partido acusam a oposição e críticos do governo de faltas que não cometeram: teriam antevisto o caos na Copa e estariam torcendo contra o sucesso do evento.
Simulação!
"Schwalbe!" Dilma sonhou esmagá-los no próximo domingo, passando a taça para as mãos de Thiago Silva.
No pior dos cenários, Lionel Messi beijará o troféu, hipótese em que se cumprirá uma predição de Lula, que anunciou, em 2007, que o Brasil faria uma Copa "para argentino nenhum botar defeito".