A estatização do futebol 12/07/2014
- O Estado de S.Paulo
Ficaria melhor na Dilma Bolada -- a falsa página da presidente nas redes sociais -- do que na CNN, onde apareceu na quinta-feira, o que provavelmente foi o mais tosco chutão da chefe do governo nestes três anos e meio no Planalto.
Numa entrevista gravada no dia seguinte à catástrofe do Mineirão, ao defender uma "renovação" do futebol brasileiro, Dilma disse que "o Brasil não pode mais continuar exportando jogador".
E, para deixar claro que o "não pode" seria uma proibição pura e simples, ela emendou de bico: "Um país, com essa paixão pelo futebol, tem todo o direito de ter seus jogadores aqui e não tê-los exportados".
PUBLICIDADE
Em um surto provocado por uma mistura tóxica de oportunismo -- para que o pó da derrota em campo não se deposite sobre o projeto da reeleição -- e conhecido vezo autoritário, Dilma falou como quem quer cassar o direito constitucional dos brasileiros de ir e vir, dentro ou para além das fronteiras nacionais, como se o Brasil fosse uma Cuba ou Coreia do Norte.
Para justificar a enormidade, deu uma pisada na bola de envergonhar um perna de pau.
"Exportar jogador", caraminholou, "significa não ter a maior atração para os estádios ficarem cheios."
Revelou involuntariamente, portanto, saber muito bem que boa parte ou o grosso dos US$ 4 bilhões despejados na construção e reforma das arenas da Copa serviu apenas para legar ao País uma manada de elefantes brancos.
Aprisionar os nossos jovens mais promissores -- como se isso fosse possível -- absolveria, nos descontos, a megalomania dos governos petistas de mostrar ao mundo o que o Brasil, sob a sua iluminada condução, é capaz de fazer.
Pura má-fé.
O fato singelo é que, no mundo globalizado, assim como profissionais de outras áreas, jogadores migram para países onde o seu trabalho se inscreve em um negócio extraordinariamente bem-sucedido.
Ali podem ganhar em um mês o que aqui levariam anos. Isso porque a estrutura do futebol brasileiro é sabidamente arcaica, corrupta e falida.
O povo não esperou a seleção ser goleada para desprezar os cartolas que enfeudam clubes, associações e, claro, a CBF.
Faz uma eternidade que essa estrutura precisa ser "renovada", como Dilma parece ter descoberto.
Mas não a submetendo à tutela estatal, como prega o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, do PC do B.
Invocando nada menos do que o interesse da Pátria, ele defende uma "intervenção indireta" (sic) numa atividade da qual a própria lei (no caso, a Lei Pelé, promulgada em 1998) aparta o poder público.
Para começar, como ele deveria saber, a Fifa proíbe a intromissão de governos nas federações nacionais.
Agora mesmo a Nigéria foi suspensa por ter o governo removido dirigentes de sua entidade futebolística.
De resto, a promiscuidade entre autoridades e cartolas multiplicaria os focos de corrupção, sem modernizar o esporte.
O Estado pode, sim, impor aos clubes uma série de condições para rolar as suas intermináveis dívidas com o erário, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) faz com os governos que lhe pedem socorro.
O projeto da Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, pronto para ser votado na Câmara, condiciona o acesso dos clubes ao crédito oficial à arrumação de suas finanças, reforma administrativa e pagamento em dia dos salários de seus contratados.
O Estado também pode -- e deve -- controlar a migração de menores de 18 anos.
Embora a Fifa proíba que sejam importados por clubes estrangeiros, estes driblam a barreira contratando formalmente um de seus parentes.
Como no gramado, bastam regras e juízes que punam os transgressores.
No mais, que o Brasil aprenda com o que os dirigentes e jogadores alemães fizeram para renovar o futebol nacional depois da sua vexatória eliminação da Eurocopa em 2004.
Como relatou o repórter Jamil Chade no Estado de quinta-feira, eles traçaram e foram fiéis a um plano de renovação de quadros, no qual investiriam ao longo do tempo US$ 1 bilhão.
Minguaram as contratações de estrangeiros em benefício do talento local.
Os ingressos foram congelados. Ainda assim, o campeonato alemão é o mais rentável da Europa. Os clubes são prósperos.
O Bayern de Munique tem 11 times completos -- fora a equipe principal.