Intervenção no futebol é a novidade diante da crise 12/07/2014
- Rolf Kuntz - O Estado de S.Paulo
Estamos salvos. O México superou o Brasil como maior produtor latino-americano de veículos, no primeiro semestre, a maior parte da indústria continua em crise -- e demitindo -- e a corrente de comércio encolhe, mas o governo promete consertar o futebol.
A ideia é intervir na atividade, impor novos padrões de gestão aos clubes e até impedir a exportação de jovens craques, segundo anunciou na quinta-feira o ministro do Esporte, Aldo Rebelo.
"Não podemos continuar exportando jogadores que são a maior atração do futebol brasileiro", disse no mesmo dia a presidente Dilma Rousseff.
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Para a presidente e sua trupe, a derrota por 7 a 1 deve ser um desastre muito maior que a devastação econômica dos últimos anos -- uma mistura de estagnação industrial, inflação elevada, contas públicas em deterioração e contas externas esburacadas.
Nos 12 meses até maio, o déficit em conta corrente chegou a US$ 81,85 bilhões, 3,61% do produto interno bruto (PIB) estimado, e as condições de financiamento têm piorado.
Podem ficar mais desfavoráveis com o fim dos estímulos monetários americanos, previsto para outubro, mas nada parece tão grave, para o governo, quanto o fracasso no futebol.
Ah, dirão os otimistas, esse comentário é injusto, até porque um novo pacote econômico e financeiro foi lançado na mesma quinta-feira, com a publicação da Medida Provisória (MP) 651.
Mas a novidade é pouca, na parte econômica, e as principais medidas já foram testadas nos últimos anos, com escasso resultado.
A desoneração da folha de pessoal, concedida a 56 setores e contrabalançada por outra forma de tributação, pouco afetou os custos.
A maior parte das empresas continua com problemas na gestão de pessoal.
Sem disposição para reformar de fato o sistema previdenciário, o governo continua adotando remendos.
Temporária até agora, a mudança deve tornar-se permanente, mas nem por isso o remendo deixa de ser remendo. Não se resolve o problema das empresas nem se arruma a Previdência.
O Reintegra, agora com alíquotas variáveis de 0,1% a 3%, definíveis a cada ano, permite a recuperação parcial dos impostos pagos na cadeia produtiva. Neste ano, o benefício será de 0,3%.
A variação anual prejudicará o planejamento dos exportadores e, no balanço geral, os brasileiros continuarão em desvantagem diante dos estrangeiros.
Além disso, a política federal é inócua em relação a um dos principais problemas -- a dificuldade de acesso aos créditos do ICMS, o tributo estadual sobre circulação de mercadorias e serviços.
Aceito pelos empresários na falta de algo mais sério, o Reintegra também é um remendo.
Em quase 12 anos, a administração petista foi incapaz de formular e de negociar uma revisão ambiciosa e eficaz do sistema tributário.
Em vez disso, têm tramitado no Congresso propostas voltadas para o atraso, favoráveis à perpetuação da guerra fiscal e à desmoralização definitiva do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
Aprovado o fim da unanimidade para aprovação de incentivos, estará preparado o campo para uma guerra mais intensa entre regiões e entre Estados -- e para mais distorções, é claro, das decisões sobre investimentos privados.
A mudança do Refis, o programa de parcelamento de débitos fiscais, é mais um mimo aos sonegadores e mais um esforço para juntar migalhas e chegar mais perto da meta de superávit primário.
Os pagamentos iniciais de quem entrar no programa serão reduzidos. Por exemplo: para os devedores de até R$ 1 milhão, a prestação inicial cairá de 10% para 5%. Haverá facilidades decrescentes para débitos até R$ 20 milhões. Acima desse valor, a entrada será de 20%.
Além disso, empresas já inscritas no parcelamento poderão ter descontos se anteciparem a quitação de 30% da dívida restante.
Com os novos estímulos, a previsão de receita do Refis para 2014 sobe de R$ 12,5 bilhões para R$ 15 bilhões.
Outros R$ 2 bilhões, primeira parcela de um total de R$ 15 bilhões, já estão garantidos: serão pagos pela Petrobrás pela transferência, sem licitação, de quatro áreas do pré-sal.
Todo esse dinheiro, somado aos bônus de concessões de infraestrutura e aos dividendos mais gordos extraídos das estatais, tornará mais fácil fechar as contas.
Nem pensar em austeridade, especialmente em ano de eleições.
Além do mais, é preciso levar em conta o peso de outros mimos tributários, como a prorrogação do desconto do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para o setor automobilístico.
Também para compensar essa bondade seletiva será preciso juntar trocados aqui e ali.
É difícil dizer se o governo insiste nessas medidas por teimosia, firmeza de princípio ou incapacidade total de perceber os fatos, mesmo retratados em números oficiais -- como a estagnação dos três anos anteriores e a perspectiva de crescimento abaixo de 2% em 2014 e de novo fiasco em 2015.
Com a indústria incapaz de competir, o Brasil só continuou salvo de um desastre cambial, neste ano, graças ao superávit comercial de US$ 49,11 bilhões acumulado pelo agronegócio entre janeiro e junho -- mesmo com preços em queda.
Reservas cambiais acima de US$ 370 bilhões dão segurança temporária contra choques externos.
Mas segurança de fato no balanço de pagamentos só se alcança por meio de competição nos mercados de bens e serviços.
Nesse jogo, só o chamado setor primário tem obtido resultados.
Se protecionismo e favores seletivos substituíssem poder de competição, a Argentina jamais teria chegado a um passo de um segundo calote.
Afinal, teve 13 anos, desde o fim de 2001, para investir e ganhar eficiência.
Mas o governo desperdiçou o tempo com besteiras intermináveis, como barreiras à exportação de alimentos para maquiar a inflação.
No Brasil já se cometeu bobagem parecida com o couro, para favorecer a indústria de sapatos.
A próxima asneira poderá ser o entrave à exportação de jogadores.