O descaramento como política 13/07/2014
- O Estado de S.Paulo
O programa de governo Dilma Rousseff 2014 é uma peça publicitária, com forte dose de ficção. Um dos tópicos, intitulado "Os 12 anos que transformaram o Brasil", é constrangedor. Ali, a mentira parece adquirir status de verdade histórica.
O que primeiro choca é a incongruência entre o título do programa (Mais mudanças, mais futuro) e o conteúdo proposto.
Era de esperar que, com resultados tão pífios -- reconhecidos não apenas por analistas econômicos, mas, como as pesquisas têm indicado, pela população em geral, que já percebeu qual é a qualidade do atual governo --, o leitor do programa se deparasse com algo diferente do que viu nos últimos anos.
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Mas o que lá está é mais do mesmo, com a reedição de "programas" pontuais e desconexos, sem uma visão ampla do que o Brasil precisa.
Vê-se logo que é um programa feito pró-forma, em que o País é um simples acessório.
Furtando-se de analisar os seus anos de governo -- o que seria mais honesto --, sempre que pode Dilma inclui os oito anos de Lula nas suas comparações.
Disso resultam afirmações que se chocam com a verdade.
Por exemplo, "ao final de três mandatos, todos os indicadores do período são positivos e sempre muito melhores do que os vigentes em 2002".
Haja criatividade nos números para tamanha miopia!
Em relação ao seu calcanhar de aquiles -- a inflação --, não tendo o que apresentar, usa bravatas pouco convincentes.
"Entendemos o poder devastador da inflação (...) e por isso jamais transigiríamos ou transigiremos com um elemento da política econômica com esse potencial desorganizador da vida das pessoas e da economia".
Se de fato Dilma entendeu o poder devastador da inflação, seus anos de governo são um exercício explícito de má-fé.
O que ela de fato compreendeu foi o efeito político da inflação, daí a manipulação de números e os preços e tarifas administrados.
Há passagens que são a mais deslavada mentira.
"Os governos do PT assumiram a histórica tarefa de investir na infraestrutura logística brasileira. (...) O Brasil dos governos do PT e de seus aliados ficará marcado como o período da história recente com mais entregas de grandes obras de infraestrutura."
Será uma piada de mau gosto?
Se há um setor onde existe uma distância abissal entre o que o País necessita -- e o governo prometeu -- e a administração petista entregou, este é o da infraestrutura.
É dessa forma que a Mãe do PAC vê os resultados pífios do seu mandato?
No programa, renova-se a "profissão de fé do PT" no seu modelo de desenvolvimento.
Informa que ele está assentado em dois pilares -- a solidez econômica e a amplitude das políticas sociais -- e que ganhará no próximo governo um terceiro sustentáculo: a competitividade produtiva.
Infelizmente, não houve, como afirma o documento, "defesa intransigente da solidez macroeconômica".
É fato de domínio público.
Sobre as políticas sociais, também é conhecido como o PT entende o seu maior trunfo: repasse de verba, sem acompanhamento de resultados efetivos.
"Social", para o governo atual, é sinônimo de voto.
Na sua lógica, se deu voto, houve transformação social.
E o terceiro pilar é algo de que o PT pouco entende, como já se viu.
No máximo, sabe dar incentivos pontuais, de alcance duvidoso, sem uma política de governo séria e responsável, que garanta a confiança no ambiente dos negócios.
Para aparecer bem na foto, o PT não tem escrúpulos de editar a imagem real.
No programa, afirma-se que "a tarefa de combater a extrema pobreza (...) foi superada".
Confundem o título de programa social, "Brasil sem Miséria", com a realidade vivida.
Afronta a sensibilidade humana fazer campanha eleitoral ignorando a realidade de tantos brasileiros e brasileiras que ainda vivem em condições sub-humanas.
Não foi o PT quem inventou certa "flexibilidade" nos programas de governo.
Já existia antes dele.
Mas o atual governo pôs em outro patamar o nível de descaramento.
Eleições merecem respeito, porque o cidadão merece respeito.
Há limites até mesmo para o que se põe no papel, ainda que na ética petista tudo aquilo que o mantenha no poder seja visto como legítimo.