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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

O segredo alemão
14/07/2014 - Blog de Reinaldo Azevedo - Veja.com

Já está mais do que evidente, a esta altura, que os petistas pretendiam transformar a Copa do Mundo numa espécie de máquina mortífera da política.

Ânimos exaltados, nacionalismo à flor da pele, a Seleção Canarinho esmerilhando em campo e, ao fundo, aquela velha canção: “Duzentos milhões em ação/ Pra Frente Brasil/ Salve a Seleção…”.

A síntese era uma só: “Brasil, ame-o ou deixe-o”.


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Depois que o PT incluiu, por exemplo, meu nome numa lista negra de nove jornalistas que estariam torcendo contra a Copa e seriam responsáveis pelas hostilidades a Dilma nos estádios, passei a receber insistentes convites:

“Por que você não vai embora do Brasil? Por que você não muda para Miami?”.

A pergunta me é feita, claro!, por pessoas que insistem em não morar em Cuba, na Coreia do Norte ou na Venezuela.

Um recado: não mudo, não! Fico aqui mesmo e quero o Brasil de volta.

Sigamos.

A pantomima nacionalista-autoritária estava ensaiada, mas deu tudo errado!

A Copa, organizada pela Fifa, deu certo.

A infraestrutura básica funcionou.

As obras de mobilidade não vieram.

O país volta a ser nesta segunda o que quer que fosse antes do início do torneio.

Sem ter uma resposta eficiente a dar, na expectativa de uma nova e estrondosa vaia -- que chegou neste domingo! --, o governo lançou, então, a operação “Caça-CBF”, com o auxílio do subjornalismo áulico e de certa crônica esportiva que ficaria melhor se fosse embalsamada e posta no museu, numa atividade com o patrocínio da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil e da Petrobras.

Descobriu-se que a confederação é a grande vilã e se falou abertamente na intervenção do estado no futebol -- o mesmo estado que não conseguiu entregar as obras.

Os mais afoitos tinham uma explicação simples e errada para o desastre: a corrupção na CBF, sua estrutura encarquilhada etc.

Digamos que tudo isso seja verdade: que tal a gente devolver, então, os títulos de 1994, 2002 e da Copa das Confederações?

Só a derrota é filha da corrupção?

A vitória não?

É claro que eu acho que a CBF tem de mudar, mas vamos parar de conversa mole!

Há, sim, na expressão feliz de Aécio Neves, gente tentando criar a Futebras, e eu insisto que é preciso é ter menos estado e mais mercado no futebol.

Ao estado cabe, aí sim, cuidar de algumas leis estruturantes do futebol -- já chego lá.

Em maio de 2013, a revista alemã Der Spiegel publicou uma excelente reportagem sobre a revolução havida no futebol do país nos 12 anos recentes.

O gancho era o fato inédito de dois times alemães disputarem a final da Liga dos Campeões: o Bayern de Munique e o Borussia Dortmund.

Como aquilo era possível?

Uma lei obriga, por exemplo -- e, neste ponto, sim, o estado pode entrar -- os times da primeira e segunda divisões do país a manter o que eles chamam “academia” de jogadores.

No Brasil, conhece-se a “escolinha”. Mas não se trata da coisa bisonha que funciona por aqui, não, de improviso.

É preciso manter funcionando centros de treinamento especialmente voltados para essa atividade.

Antes que técnicos de outros países começassem a visitar a Alemanha para descobrir os seus segredos, como acontece atualmente, a liga profissional do país mandou técnicos em peregrinação pelos grandes centros de futebol do mundo -- como Espanha e Holanda -- para saber como os outros trabalhavam.

O futebol alemão passou, revela a revista, por uma revolução tática.

Os alemães chegaram à conclusão, também, de que seu jogo era duro demais. Era preciso mudar uma cultura.

Um trecho da reportagem chama a atenção.

Referindo-se a jogadores como Philipp Lahm (capitão da Seleção) e Bastian Schweinsteiger -- que todos vimos sair quase destruído de campo, com o rosto ferido -- diz a revista (traduzo):

“De fato, eles são algo feminis, retraídos, versáteis. No passado, os fãs do futebol estavam acostumados com os chamados machos Alfa, jogadores como Oliver Kahn e Stefan Effenberg, que venceram a Liga dos Campeões de 2001 com o Bayern de Munique.

(…) Ou Lothar Matthäus, o líder do time que ganhou a Copa do Mundo de 1990. Eles chamavam a atenção por seu estilo de jogo duro e poderoso, por seu comportamento grosseiro e por seus casos rumorosos com mulheres. Em outras palavras: eram ‘homens de verdade’. Mas isso também os fazia tediosos. Lahm e Schweinsteiger, ao contrário, parecem eternos garotos.

(…) E isso é uma coisa boa porque o jogo moderno depende de um grupo de jogadores capazes de fazer quase tudo. Todos eles são igualmente importantes, e ninguém precisa de um companheiro de equipe que determine tudo e domine o time.

Eis por que foi correta a decisão do técnico da Seleção, Joachim Löw, que tirou da equipe Michael Ballack, o último dos machos Alfa (…) Ninguém mais precisa de homens oriundos de um modelo velho e selvagem. Dá-se o mesmo na sociedade. Nós entramos na era do trabalho de equipe.”

Retomo

Percebam que essa Seleção Alemã formada de caras que são “uns fofos”, para recorrer à expressão de uma das minhas filhas, é parte de um trabalho de educação e de uma tomada de decisão.

A Seleção Alemã não começou a ganhar o campeonato quando decidiu criar seu próprio centro de treinamento nas terras quentes da Bahia -- os brasileiros ficaram naquela soturna, nesse período ao menos, Granja Comary…

Os homens do gelo prefeririam o calor tropical; os dos Trópicos, a neblina…

O trabalho vem de longe.

Não homenagearam os pataxós por acaso nem mandaram mensagens de agradecimento ao povo brasileiro só porque são bons moços, quase “feminis”, ou “eternos garotos”, como diz a Der Spiegel.

Isso tudo é parte de uma estratégia.

Então, sim, está claro que a CBF tem de mudar, que o mundo avançou nessa área.

Mas resta evidente que não será com intervenção estatal que se vai lograr esse feito.

Quando muito, a legislação pode forçar os grandes clubes a investir efetivamente na formação de jogadores.

Fim da caipirice

E é preciso também romper o cerco da caipirice, que impede que tanto os grandes clubes como a Seleção contratem técnicos estrangeiros.

Não só é preciso que eles venham como urge enviar jovens técnicos para conhecer o trabalho que se faz lá fora.

Isso, sim, pode mudar o futebol brasileiro.

E, claro!, é preciso tomar cuidado com as cabecinhas tacanhas.

Aqui e ali, ouvi e li idiotas a exaltar a equipe costa-riquenha, que só teria jogado aquele bom futebol porque livre das garras do capitalismo e coisa e tal…

Trata-se de uma bobagem monumental.

Quem está levando a taça para casa é o milionário futebol alemão.

É evidente que é bom uma equipe contar com Cristiano Ronaldo, com Lionel Messi, com Neymar Jr.

Quem não quer?

Mas, só com eles, não se vence uma Copa do Mundo.

Sem organização, disciplina e planejamento, o talento se dissipa e tudo termina no ralo.

Com organização, disciplina e planejamento, consegue-se tudo: até talentos.

Quanto às taras estatistas do governo e de parte da crônica esportiva, dizer o quê?

Fazem parte de um mundo velho e selvagem.

Quem precisa deles?


  

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