A crise chega ao emprego 19/07/2014
- O Estado de S.Paulo
A crise bate no mercado de emprego e mancha um dos poucos indicadores positivos da economia brasileira: a criação de postos de trabalho.
Em junho foram contratados 25,36 mil trabalhadores com carteira assinada, o menor número para esse mês desde 1998.
As contratações do semestre, de 588,67 mil, também foram um recorde negativo - o resultado mais baixo para esse período a partir de 2009.
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Os números foram divulgados na quinta-feira pelo Ministério do Trabalho.
No mesmo dia a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) anunciou a situação do emprego industrial paulista no mês passado: 16,5 mil vagas fechadas.
Em um ano, as demissões líquidas chegaram a 96,5 mil, um resultado bem pior que o esperado, informou o diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da entidade, Paulo Francini.
Este ano, segundo ele, deve ser o pior desde 2009, quando 112,5 mil postos foram eliminados.
As demissões na indústria comprometem a qualidade do emprego.
Esse detalhe tem sido aparentemente menosprezado, ou ignorado, pela presidente Dilma Rousseff e por seus ministros, em suas bravatas sobre o desempenho da economia brasileira.
A retórica oficial sobre as maravilhas do emprego no País vira fumaça, facilmente, quando se consideram uns poucos fatos.
Em primeiro lugar, os números tradicionalmente publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) são muito limitados, porque se referem somente às seis maiores áreas metropolitanas.
As últimas taxas de desemprego, pouco superiores a 5%, são pouco representativas.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), também do IBGE, cobre cerca de 3.500 municípios e tem mostrado um cenário bem menos favorável.
A do primeiro trimestre indicou 7,1% de desemprego, número superior aos encontrados em vários países -- desenvolvidos e em desenvolvimento -- com taxas de inflação muito menores.
Em segundo lugar, o desemprego brasileiro seria provavelmente maior se a oferta de mão de obra qualificada fosse mais ampla.
Embora crescendo pouco e acumulando dificuldades, a indústria procurou, nos últimos anos, conservar o maior número possível de empregados.
Ao custo das demissões seria preciso acrescentar o custo e as dificuldades de recomposição dos quadros, em caso de recuperação da economia.
O discurso oficial tem omitido também esse detalhe, embora empresários e porta-vozes da indústria tenham chamado a atenção, várias vezes, para a escassez de pessoal qualificado ou dotado apenas de uma formação básica razoável.
Em terceiro lugar, os empregos decentes, no Brasil, ainda são principalmente aqueles criados na indústria.
O setor de serviços, na economia brasileira, ainda é muito diferente daquele encontrado nos países mais desenvolvidos.
Boa parte dos postos gerados em serviços oferece remuneração mais baixa e menores benefícios que aqueles vinculados ao emprego na indústria ou no comércio.
Em junho, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, a indústria de transformação, a extrativa mineral e a da construção civil fecharam 41,02 mil postos.
Em 12 meses, esses três setores eliminaram 34,09 mil vagas, enquanto o conjunto da economia contratou 763,5 mil pessoas.
O setor de serviços proporcionou 537,88 mil contratações, 70,44% do total.
A agropecuária, o setor mais competitivo da economia nacional, foi o principal criador de empregos em junho, com 40,82 mil vagas abertas, mas o acumulado em 12 meses foi o fechamento de 26,3 mil postos.
No Brasil, como na maior parte do mundo, a agropecuária moderna cria poucos empregos diretos, mas pode contribuir para a abertura de vagas em outras áreas.
Numa economia como a brasileira, o dinamismo geral da produção e a expansão dos empregos decentes dependem ainda principalmente da indústria.
Não se promove desenvolvimento industrial com desonerações parciais e provisórias, favores a grupos ou segmentos selecionados e barreiras protecionistas.
Também esses fatos têm sido ignorados em Brasília.