Finalmente, depois de mais de um ano, os presidentes dos cinco países-membros do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela) conseguiram marcar a reunião semestral do Conselho do Mercosul na Venezuela. Nos longos comunicados ao final do encontro, poucas referências a avanços na área comercial.
Em compensação, foram assinadas declarações de apoio à Argentina relacionado com o pagamento de sua dívida soberana, sobre o Banco do Sul e sobre os direitos nos EUA das crianças e adolescentes migrantes não acompanhados.
Além disso, Hugo Chávez e Néstor Kirchner foram declarados cidadãos ilustres do Mercosul.
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Poucos notaram que na declaração do Mercosul sobre a situação de Gaza houve um significativo fato político: o Paraguai recusou-se a assiná-la e quebrou a unidade do grupo em tema tão sensível.
E uma das decisões mais inusitadas, anunciada ao final da reunião, foi a instituição do Mercosul Indígena, que certamente dará grande impulso às relações comerciais do grupo...
Já a proposta brasileira de antecipar para este ano a formação de uma área de livre-comércio com a Colômbia e o Peru, prevista para 2019, apresentada como grande manchete pelo governo, foi recusada e nem chegou a ser examinada, mostrando a fragilidade do Brasil no âmbito do bloco.
Sem acordo com a União Europeia (UE), o Mercosul, por proposta da Venezuela, contentou-se com a proposta de negociar acordo para a criação de zona econômica complementar com a Aliança Bolivariana (Alba) e a Petrocaribe, que ninguém sabe o que é.
O calote da Argentina, que vai afetar ainda mais a imagem do Mercosul e prejudicar as exportações brasileiras para aquele mercado, foi o tema mais palpitante da cúpula presidencial.
A paralisia e a perplexidade do grupo podem ser notadas por alguns exemplos que demonstram o estado em que se encontra o principal projeto de política externa do governo do PT nos últimos 12 anos.
A Bolívia, membro associado do Mercosul desde 1997, assinou protocolo de adesão quase em segredo de Estado, sem nenhuma discussão pública.
Recentemente o Congresso do Uruguai e o da Venezuela ratificaram o protocolo.
A Bolívia terá de adotar gradualmente as normas e os regulamentos do Mercosul, mas apenas depois de um período de quatro anos após sua incorporação como membro pleno; o país ganhou o status de país-membro em processo de adesão e já está participando plenamente de todas as reuniões do Mercosul, sem voto.
Até o momento, o documento de adesão não foi submetido ao Congresso brasileiro, porque, se fosse, teria dificuldades para aprovação em razão do impasse quanto ao asilo ao senador boliviano.
A negociação do acordo Mercosul-UE desapareceu dos radares.
Dificuldades com a Argentina (como sempre), desinteresse por parte do governo brasileiro, apesar das declarações em contrário de altas fontes oficiais, talvez em função das eleições, e a mudança na presidência da Comissão Europeia com a saída do português Durão Barroso (muito favorável ao acordo) e sua substituição pelo antigo primeiro-ministro do Luxemburgo, sem nenhum compromisso com a prioridade dos entendimentos com o Mercosul, podem explicar o adiamento dos entendimentos para 2015.
A negociação entre Brasil e Argentina sobre o acordo automotriz terminou com mais um retrocesso.
Ao invés de manter o livre-comércio, o governo brasileiro cedeu mais uma vez à pressão argentina e aprovou uma trava à exportação do Brasil de até uma vez e meia do total comprado da argentina (antes era 1,9).
O setor privado dos dois países também anunciou um acordo de autolimitação de venda no mercado vizinho de cerca de 44% e as empresas argentinas 11% no brasileiro.
Em troca o governo argentino comprometeu-se a eliminar as travas às exportações brasileiras, o que esperamos venha a acontecer.
A grave situação econômica na Argentina e na Venezuela, com crescimento em baixa, inflação em alta, moeda depreciada e total insegurança jurídica, prejudica as empresas brasileiras pela redução do mercado e pelo não pagamento das exportações.
No caso argentino, a decisão de juiz americano sobre o pagamento da dívida externa levou a outro default, agora técnico, com grave repercussão sobre a percepção externa no Mercosul.
O comércio do Brasil com a Argentina está afetado por toda essa situação, com queda de 20% -- as exportações brasileiras de manufaturados reduziram-se significativamente.
Se isso não bastasse, nos últimos anos registrou-se também desvio de comércio, visto que nossos produtos foram substituídos por chineses, coreanos, mexicanos e chilenos.
O Brasil aposta todas as suas fichas comerciais num grupo que apresenta esses problemas, sem perspectivas de superá-los em curto e médio prazos.
O que fazer? O Brasil não tem como evitar sua geografia, mas pode tentar influir no desenvolvimento futuro do Mercosul, ao contrário do que tem sido feito nos últimos 12 anos.
O Mercosul, criado por um tratado em 1991, está isolado das negociações comerciais e sem nenhuma estratégia.
Olhando apenas para o estrito interesse brasileiro, a política passiva e reativa em relação ao grupo regional terá de ser revista.
A redução da influência ideológica nas decisões e a flexibilização de algumas regras estão entre as mudanças que o Brasil deveria buscar a partir de 2015 com o objetivo de facilitar as negociações comerciais com países que possam ampliar o mercado para as exportações do grupo e permitir acesso a tecnologias e inovações para as empresas brasileiras.
Enquanto o mundo expande rapidamente as negociações comerciais, o Mercosul perde-se em longas discussões políticas, cujo foro mais apropriado seria a União das Nações Sul-americanas (Unasul).
O Brasil não pode continuar atrelado ao atraso.
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*Rubens Barbosa é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp.