Rasteira do destino 14/08/2014
- Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
Desde o início esta eleição estava marcada pela imprevisibilidade. Mas o inesperado acabou vindo antes do resultado, trazendo consigo a mais impactante das surpresas no acidente que matou o candidato do PSB à Presidência, Eduardo Campos, e outras seis pessoas que estavam no avião que caiu em Santos (SP) na manhã de ontem.
Uma rasteira do destino que corta de forma brutal a trajetória de um político vivaz, habilidoso e, característica rara, com um bom humor que o grande público não teve oportunidade de conhecer.
Na tarefa de se tornar conhecido nacionalmente, o ex-governador de Pernambuco estava empenhado em mostrar suas qualidades de governante. Natural, não poderia nessa fase ocupar seu tempo mostrando aos eleitores suas qualidades de exímio comediante.
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Melhor dizendo, de imitador. Inesquecíveis as performances em que reproduzia hipotéticos diálogos de Lula falando sobre ministros de seu governo, destacando as peculiaridades mais engraçadas de cada um.
O “elenco” era amplo. Ciro Gomes, Marina Silva, Dilma Rousseff, Jaques Wagner, Fernando Henrique e muitos outros. Na verdade, todos. Nenhum dos “colegas” escapava ao espírito gozador de Eduardo Campos.
Juntando-se à leveza de alma a consistência política, uma conversa com ele era sempre proveitosa e prazerosa. Na medida dos limites da estratégia, era transparente. Quando indicava seus passos podia até omitir, mas não mentia. Cabia ao interlocutor pesar, medir e concluir.
Ocorreu assim anos atrás quando, em diálogo rápido num restaurante em Brasília, deu sinais de que abriria (sem querer querendo) com sutileza as portas de saída ao PSB a Anthony Garotinho. Aconteceu de novo em 2013.
O cenário era de indefinição sobre se seria ou não candidato a presidente, se deixaria ou não a área de influência do PT - surgiram especulações a respeito da possibilidade de Eduardo Campos aceitar a proposta do PT de concorrer à Presidência apenas em 2018 e desistir da disputa em 2014.
Diante do quadro, o então governador de Pernambuco dizia: “Tem gente que ainda está esperando o cumprimento de compromissos de 1989”. Portanto, não seria ele a acreditar em promessa futura diante de acertos descumpridos do passado. Sem que ele dissesse de maneira explícita, estava claro que sairia candidato.
O projeto, construir um caminho político-eleitoral independente das duas forças preponderantes no País, PT e PSDB. Construção difícil, mas não impossível à qual Eduardo Campos começou a se dedicar com o discurso da “nova política” mais objetiva que a agenda “sonhática” de sua companheira de chapa Marina Silva.
Campos costumava lembrar exemplos da história do Brasil para mostrar que seria perfeitamente possível governar sem lotear os cargos da administração pública entre partidos.
O engajamento da sociedade na agenda política, segundo ele, seria a chave, tal como já ocorrera por ocasião da campanha pela redemocratização do País, no governo de transição depois do impeachment de Collor e à época da implantação do Plano Real.
Na opinião dele, a urgência de renovação dos meios e modos de se fazer política poderia motivar o mesmo tipo de mobilização, a depender da disposição do governante eleito de utilizar a força obtida nas urnas para unir o País em torno de uma pauta inovadora desse tipo.
Nessa concepção, caberia às lideranças, no caso específico ao presidente, transformar a apatia decorrente da indignação social com os políticos e os partidos em motor da geração de uma força coletiva de vontade de renovação.
Sem mau humor, sem descrença, sem divisões, sem “eles”. O Brasil de todos nós. Agregador, assim era Eduardo Campos, um político de quem se podia discordar, mas uma pessoa de quem era absolutamente impossível não gostar.