A nova equação eleitoral 19/08/2014
- O Estado de S.Paulo
A primeira das 20 sessões de propaganda para a Presidência da República no rádio e na TV -- duas vezes ao dia, três vezes por semana, até 2 de outubro -- começa ainda sob o impacto do desastre aéreo que na quarta-feira matou o candidato Eduardo Campos, do PSB.
A ele caberia, por sorteio, iniciar o ciclo. A fração de 2 minutos e 3 segundos a que teria direito, no bloco de 25 minutos, provavelmente o mostrará hoje quando dizia as palavras com que passou à história, nos instantes finais da entrevista que dava ao Jornal Nacional (JN), na véspera da tragédia, e que viriam a dominar o seu cortejo fúnebre, acompanhado por mais de 100 mil pessoas, domingo, no Recife: "Não vamos desistir do Brasil".
Se não por decoro, pelas regras do jogo eleitoral, a sua até então companheira de chapa, Marina Silva, não poderá se apresentar desde já como a sua substituta.
PUBLICIDADE
Nem herdeira, como decerto haverão de preferir os correligionários do ex-governador de Pernambuco, para mantê-la vinculada às suas propostas (nem sempre coincidentes com as dela) e, mais ainda, aos compromissos eleitorais assumidos pelo partido nos Estados (no Rio e em São Paulo, contra a sua vontade).
Formalmente, a ex-senadora só poderá assumir a candidatura da coligação liderada pelo PSB depois de ter o seu nome homologado amanhã pela executiva nacional da legenda e avalizado pela maioria das quatro siglas aliadas, no prazo legal de 10 dias.
Na reunião, a cúpula do partido deverá escolher também o nome do vice de Marina.
Isso significa que, na melhor das hipóteses, apenas no dia seguinte ela poderá se dirigir ao eleitorado como aspirante ao Planalto, encarnando a "terceira via" preconizada por Campos para interromper duas décadas de governos ou do PSDB ou do PT.
Dos candidatos que contam, Marina é quem menos tem o que apostar no período oficial de propaganda.
Tudo computado, contará com apenas 82 minutos, ante 183 de Aécio Neves e 456 de Dilma Rousseff.
Mas, em 2010, quando dispunha só de 1 minuto e 23 segundos em cada entrada, a penúria de tempo na mídia de massa foi mais do que compensada pelo boca a boca de seus entusiásticos seguidores e o aluvião de mensagens em seu favor nas redes sociais.
Marina obteve surpreendentes 19,6 milhões de votos (ou perto de 18% dos sufrágios válidos), o que a levou ao terceiro lugar na disputa.
Agora, trazida à liça pela força do acaso -- ou, segundo ela, pela Providência Divina, a que atribui a sua decisão de não viajar com o titular da chapa no voo afinal acidentado --, Marina já mudou a equação sucessória.
Pesquisa do Datafolha realizada nos dois dias seguintes ao acidente deu-lhe 21% das intenções de voto, em empate técnico com Aécio (20%).
Ele e Dilma (36%) mantiveram as mesmas posições da sondagem anterior, com 8% para Campos.
Nas simulações de segundo turno, a esta altura inevitável, Marina bate Dilma por 47 pontos a 43, no limite da margem de erro.
As futuras sondagens dirão se esses números traduzem a emoção do momento ou se exprimem uma migração efetiva dos eleitores até então indecisos ou propensos a invalidar o seu voto: esse contingente, que somava 27% há um mês, caiu para 17%.
Inevitavelmente no centro das atenções do público que acompanhar o início do horário de propaganda, Marina terá de dizer a que vem, já não representando apenas "o novo", como há quatro anos, nem tampouco centrada na causa ambiental.
Pelo menos os eleitores que descobriram as ideias do candidato do PSB na entrevista ao JN terão a natural curiosidade de saber o que a aproxima e o que a diferencia do político a quem se aliou no ano passado, quando fracassou em registrar como partido o movimento Rede Sustentabilidade.
Marina também terá de se voltar para as questões terrenas dos brasileiros, deixando em casa o misticismo que a levou a dizer, no velório de Campos, que "essas coisas acontecem em nome de algo maior".
O papel do horário eleitoral na definição do voto é discutível, de todo modo.
Sem dúvida desperta o público para o pleito, mas não parece decisivo para o seu resultado.
Nas quatro últimas eleições presidenciais, ganhou o candidato que já liderava as pesquisas quando começou a temporada.