Voo cego de avião sem dono 25/08/2014
- Blog de Reinaldo Azevedo - Veja.com
Jamais votaria em Marina Silva. Já expus aqui alguns dos meus motivos. E também na minha coluna de sexta na Folha de S.Paulo. Vou avançar.
Desde que me ocupo da política, como jornalista, meu esforço é para tirá-la do terreno da mitologia e trazê-la para o da razão -- inclusive o da razão prática.
“Poderia votar em Dilma contra Marina, Reinaldo?”
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Também é impossível. Os petistas me incluíram numa lista negra de jornalistas. Eles querem a minha cabeça e, se pudessem, pediriam a meus patrões que me botassem na rua. Desconfio até que já tenha pedido -- não sei. Mas não levaram.
Não sou suicida. Não me ofereço àqueles que se pretendem meus feitores. Mas, reitero, nem tudo o que não é PT me serve -- e Marina não me serve.
Mais: acho que alguns de seus ditos “conselheiros” estão perdendo o juízo e querendo se comportar como os Catões da República. Já chego lá.
Os cardeais da papisa
Marina Silva não é candidata a presidente da República, mas a papisa de uma seita herética -- e suas heresias são praticadas contra a democracia representativa.
Ela não concede entrevistas. Seus cardeais falam por ela.
À Folha, quem garantiu a independência do Banco Central foi Maria Alice Setubal.
Já expliquei e insisto: se o sócio de um grande banco viesse a fazer tal promessa como porta-voz do tucano Aécio Neves ou da petista Dilma Rousseff, nós, da imprensa, não perdoaríamos o deslize.
Como se trata de Marina, parece evidência de sabedoria. Tenham paciência!
Banqueiros não podem fazer política? Podem e devem. Mas convém não misturar carne com leite nessas coisas. E ponto.
Na Folha desta segunda, mais um cardeal do “marinismo”, Eduardo Giannetti, fala em nome de Marina.
Também ele acena para os mercados com a independência do Banco Central, mas o centro de sua entrevista é outro: quer a conciliação política “dos bons”, entendem?
Marina, diz ele, pretende governar com o apoio de Lula e de FHC.
Ninguém lhe perguntou -- e não sei se vão perguntar -- por que não se fez antes se é tão fácil.
A rigor, em todos os conflitos do mundo, dos mais amenos aos mais sangrentos, sempre se poderia fazer esta indagação: “Por que não, então, juntar os opostos, juntar os litigantes?”.
Giannetti teve uma ideia que poderia, enfim, ter evitado todas as guerras, até a de Troia, como num poema de Mário Faustino: “Estava lá Aquiles, que abraçava/ Enfim Heitor, secreto personagem/ Do sonho que na tenda o torturava”.
No seu mundo, como no do poema, Saul não briga com Davi, os seteiros não matam Sebastião, e o “Deus crucificado” beija uma segunda vez o enforcado (Judas).
Pode ser literatura. Pode ser religião. Uma coisa é certa: política não é.
Há mais: Giannetti resolveu, em sua entrevista, todas as dificuldades e só ficou com as facilidades.
Imaginar que PT e PSDB possam estar juntos num governo implica ignorar, logo de cara, o fato de que esses partidos têm vocações e fundamentos que são inconciliáveis.
Se o ideário, hoje, dos tucanos é um tanto nebuloso aqui e ali -- especialmente na área de valores --, os do PT são muito claros.
Ora, ora, ora… Então Marina Silva, a Puríssima, não aceita nem mesmo subir no palanque com Geraldo Alckmin ou com Beto Richa -- acordos feitos por Eduardo Campos --, mas aquele que se candidata a ser seu orientador intelectual (já que diz não querer cargo caso ela se eleja) sonha com um governo que possa unir… Aquiles e Heitor.
Giannetti é uma pessoa lida, que tem experiência com as palavras. Uma tolice dita por ele parece de qualidade superior à dita por um petista tosco qualquer. Mas é apenas isto: uma tolice dita com charme.
O PMDB
E o homem vai adiante. O sonho de Giannetti -- que não me parece muito distante, mutatis mutandis, de todos aqueles que sonharam com um Rei Filósofo, com um Déspota Filósofo… -- é juntar os bons de um lado para isolar os maus de outro.
Ele pega carona na fácil demonização do PMDB. Dá a entender que essa é a força que tem de ficar do outro lado da trincheira.
Marina, então, seria eleita pelo PSB, com o apoio de FHC e Lula e outras almas superiores do Congresso, uma conspiração dos éticos se formaria e pronto! Tudo estaria resolvido.
Tão fácil que a gente lamenta que tantos estúpidos não tenham pensado nisso antes, né?
É mesmo?
Será que o PMDB, ao longo da história, tem sido só um problema?
Então vamos ver.
Marina Silva apoia o Decreto 8.243, aquele que nem é exatamente de Dilma, mas de Gilberto Carvalho.
No horizonte da turma que defende esse lixo autoritário, está, inclusive, o controle da imprensa, sim, senhores!, por conselhos populares.
Marina não vê mal nenhum nisso porque, afinal, já deixou claro, não dá bola para partidos ou para instâncias formais de representação.
O PMDB pode não ser exatamente um convento de freiras dos pés descalços, mas lembro que o partido, em seu congresso, apoiou uma das mais claras e fortes resoluções contra qualquer forma de censura à imprensa.
Sugerir que o PMDB atrapalha a democracia ou a torna ingovernável é mais do que um erro; é uma mentira.
O avião
Hoje é dia 25 de agosto. Eduardo Campos morreu no dia 13. Até agora, ninguém sabe a quem pertence o avião.
Marina, que voou muitas vezes naquele jatinho e que herda, pois, os instrumentos aos quais recorreu o PSB para fazer campanha, se nega a falar do assunto, como se ele não lhe dissesse respeito.
Diz, sim!
Quem se pronunciou foi Beto Albuquerque, candidato a vice. Curiosamente, cobra explicações da Polícia Federal.
Como? Aquele que era um dos homens mais próximos do presidenciável morto está exigindo respostas em vez de dá-las?
O PSB, vejam vocês, inventou o avião sem dono.
Marina, a mais ética entre os éticos, não aceita doação, no caixa um -- o oficial e registrado -- de empresas disso e daquilo, mas faz ares de santa da floresta quando se questiona a quem pertencia um jatinho que custava alguns milhões.
É essa a “nova política” de que tanto se fala?
Vamos ver o que vem por aí: candidaturas e mandatos já foram cassados por muito menos. Que se apure tudo, mas há um cheiro fortíssimo de caixa dois na campanha, não é mesmo?
Messianismo
Marina carrega nas tintas de uma espécie de messianismo pós-moderno, assim, meio holístico-maluco-beleza.
A VEJA desta semana a traz na capa. A reportagem, qualquer um pode constatar, não lhe é nada hostil.
A figura desenhada nas páginas chega a ser simpática.
Um trecho, no entanto, chamou especialmente a minha atenção.
No dia 18, 30 membros da Rede se reuniram em São Paulo para discutir a morte de Campos.
Debate político?
Claro que não! Isso é coisa superada. Era um papo de outra natureza.
Depois de cada um dizer o que sentia, eles se dividiram em trios para escrever palavras para confortar… Marina!!!
É, gente… Na Rede -- que Giannetti quer ver no governo com o apoio de Lula e FHC --, não existem vitoriosos e derrotados quando se debate uma ideia.
Há um troço chamado “consenso progressivo”.
A exemplo do Cassino do Chacrinha, a reunião “só acaba quando termina” -- e todos ganham.
Em maio, para definir os dois porta-vozes da Rede, eles ficaram reunidos por 18 horas.
Tinha de ser um homem e uma mulher para contemplar as diferenças de gênero…
Tenham paciência!
Conheço gente que já frequentou esse círculo de iniciados. A coisa parece ser mesmo do balacobaco.
Marina é o Pablo Capilé da floresta, e sua Rede lembra, em muitos aspectos, o tal grupo Fora do Eixo.
As pessoas lhe dedicam um silêncio reverente e estão certas de que ela mantém mesmo certa comunicação com entes que não estão exatamente entre nós.
Estou fora
Não caio nessa, sob pretexto nenhum -- nem mesmo “para tirar o PT de lá”.
Na democracia, voto útil é voto inútil.
Se Deus me submetesse à provação -- espero que não aconteça -- de ter de escolher entre Dilma e Marina, escolheria gloriosamente “nenhuma”!
Se a turma do coquetel Molotov estava sem candidata e agora encontrou a sua, eu, que sou um partidário da democracia representativa e das instituições democráticas, deixarei claro, nessa hipótese, que estarei sem candidato no segundo turno.
Mas torço e até rezo para que o Brasil seja poupado.
De resto, vou insistir numa questão: Marina Silva é governo no Acre há 16 anos.
Seu marido deixou um cargo no secretariado de Tião Viana na semana passada. Mas a sua turma está lá, aboletada na gestão petista.
Digam-me cá: quando Viana, seu aliado, começou a despachar haitianos para São Paulo, de uma maneira indigna, escandalosa, Marina disse exatamente o quê, além de nada?
Qualquer bagre teria merecido dela mais atenção! Pareceu-me uma reação muito pouco caridosa a sua.
E não tenho como esquecer o fato de que, há menos de dois anos, Marina estava lutando por um Código Florestal que iria reduzir a área plantada no país.
Como alternativa para seu desatino, ela tirava das dobras de seus numerosos xales certo “ganho de produtividade” que compensaria a perda.
Propunha isso, com o desassombro e a retórica caudalosa de sempre, como se o Brasil não tivesse hoje uma agricultura e uma pecuária entre as mais produtivas do mundo.
Do mesmo modo, incentivou a crítica verdolengo-obscurantista a Belo Monte, num país que enfrenta escassez de energia.
Marina Silva? Não! Muito obrigado! Não quero!
“Ah, mas ela pode ser eleita e fazer um grande governo…”
É, tudo pode acontecer. Não tenho bola de cristal.
Quando voto, levo em conta o passado dos candidatos, suas utopias, suas prefigurações, sua visão de mundo, o apreço que têm pela democracia, a factibilidade de suas propostas.
Se eu tivesse alguma dúvida -- já não tinha --, ela teria se dissipado com a entrevista concedida por Giannetti nesta segunda: Marina quer governar com o apoio de FHC e Lula…
Então tá!
É até possível que os dois, por elegância ou sei lá o quê, venham a dizer que, se isso acontecer, tudo bem.
Ocorre que o Brasil não é um país comandado por aqueles líderes de clãs do Afeganistão.
O Brasil sofreu um bocado para ter uma democracia gerida por partidos e por instituições.
Ainda não chegou a hora de sermos um Brasilstão, governado por uma santa rodeada de conselheiros de fino trato.
Isso nada tem a ver com democracia. Isso é só mais um delírio de intelectuais, ainda e sempre os mais suscetíveis às tentações autoritárias.
Os idiotas que acham que sou antipetista a ponto de votar até num sapo se o PT estiver do outro lado nunca entenderam direito o que penso.
Em dilemas que são de natureza moral, não havendo o ótimo, a obrigação é escolher o caminho menos danoso.
Na democracia, felizmente, temos a possibilidade de recusar o ruim e o pior.
De todo modo, espero que a onda passe e que o destino do país não seja definido pelo cadáver de alguém que não havia se explicado o suficiente em vida.