Além dos números 29/08/2014
- Antero Greco - O Estado de S.Paulo
Vivemos rodeados de números, cifras e estatísticas. Repare como nos bombardeiam com pesquisas e rankings, que indicam qual candidato subiu, quem desceu, que tipo de aplicação é mais rentável, como se aposentar com o burro na sombra, quais as principais cidades para se viver.
Sem contar as 10 dicas para perder peso, os 7 pecados capitais num relacionamento, as 5 regras de ouro para evitar golpes, os 1001 livros para ler, lugares para visitar, vinhos para tomar...
A mania pegou em cheio o esporte -- e o futebol não escapou, com as curiosidades e recordes alçados à categoria de ciência.
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Mas já falei a respeito disso aqui em 12 ocasiões, não retomo o papo.
Não discutirei quantas vezes o time tal venceu nas quintas-feiras à noite nem divagarei em torno dos 4-1-4-1, 4-2-3-1 ou as duas linhas de 4.
O que me chamou a atenção, nesta semana, foi a edição 2014 da lista das maiores torcidas do Brasil.
Trabalho bacana, renovado com razoável periodicidade, pelo Lance! e pelo Ibope, com dados interessantes.
Muitos são manjados, como a liderança do Flamengo, o vice do Corinthians, o terceiro do São Paulo e coisas afins.
Há sofisticação do gênero preferência por nível de renda e escolaridade, região do País, sexo.
Um melhora aqui, outro deteriora ali, vários se mantêm estáveis -- ou a marcar passo -- e assim segue a vida.
Não sou estatístico, nem me meto a contestar a precisão das conclusões.
Porém fiquei surpreso de ver que o crescimento do Corinthians, por exemplo, se limitou a 0,2%.
Puxa vida, uma equipe que nos últimos quatro anos faturou de Paulista a Copa do Brasil, de Brasileiro a Libertadores e Mundial, que tem estádio novo em folha, avançou pouco?!
Sei lá, não se costuma dizer que, em épocas de vacas gordas -- entendam-se títulos -- o panorama se torna favorável para forte expansão?
Isso vale para qualquer time, peguei o Corinthians pela evidência.
Bem, mas o que quero dizer mesmo é o seguinte: como torcedor não me importo com isso.
É o tipo de dado que pode valer para os cartolas, para a turma do marketing faturarem em contratos de publicidade e com televisão.
Argumento para convencer o mercado de que a marca é rentável e que, portanto, compensa o investimento.
Chama anunciante para o estádio, o uniforme. Ajuda no universo dos negócios, dá força para a audiência das emissoras.
Mas, sinceramente, para quem se liga em bola, isso não deve provocar mais do que um comentário do tipo "puxa, olha só, que coisa!".
Torcedor, pra valer, se liga em conquistas, em taças, naquilo que o clube apresenta em campo.
Ter mais ou menos seguidores não altera grande coisa.
Na verdade, nem o fato de Fla e Corinthians estarem à frente surpreende; isso se conhece desde a época da bola de capotão.
Aliás, no caso corintiano parece até contraditório: tem-se a impressão de que crescia com voracidade quando amargava jejum ou se limitava a pequenas glórias bairristas.
O mesmo ocorre com o Fla.
Calma, gente! Antes que se faça leitura apressada e enviesada, que fique claro o seguinte: esses dois símbolos nacionais são fortes independentemente do momento que atravessam.
Essa paixão é que os números não sentem, não explicam, não absorvem, não modificam.
Quer saber mais?
O time de cada um é o maior e melhor do mundo, por ser único, exclusivo, atrelado a sentimento incapaz de ser codificado em gráficos.
E, como em todo caso de amor intenso, entram em cena o egoísmo e o ciúme.
A gente torce pelos rapazes que vestem a camisa da nossa equipe (e só enquanto lá permanecerem), não pela quantidade de pessoas que têm o mesmo gosto.
O torcedor de verdade acha que só ele entende, de fato, o que significam o manto sagrado, a bandeira, o escudo, o hino.
Nem mesmo outro torcedor do mesmo time ama tanto quanto ele.
Se bem que, hoje em dia, surgiram outros tipos de fãs: de ranking, de publicidade na camisa, e até de dirigente!