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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

A grande tolerância - da inflação ao terrorismo
27/09/2014 - Rolf Kuntz - O Estado de S.Paulo

Tolerância é a grande marca da candidata Dilma Rousseff: tolerância à inflação, ao desarranjo das contas públicas, à estagnação da economia brasileira, aos desaforos dos parceiros bolivarianos e pró-bolivarianos e, é claro, ao terrorismo internacional.

Depois do humilhante desempenho de sua chefe em Nova York, o chanceler Luiz Alberto Figueiredo tentou limpar o vexame.

Não houve sugestão, segundo ele, de diálogo com o Estado Islâmico.


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De acordo com o ministro, a presidente propôs diálogo "no âmbito da comunidade internacional" para solução dos problemas da Síria e do Iraque.

O esforço do diplomata foi inútil.

Não havia como desmentir o óbvio.

Depois de lamentar "enormemente" os bombardeios, a presidente recomendou a busca do entendimento entre os "dois lados".

Talvez por falha de comunicação, ou por diferença de fuso horário, um dos "lados" estava ocupado em cortar a cabeça de mais um refém.

O decapitado foi um francês, porque o destinatário principal da mensagem, nesse caso, era a França.

O presidente François Hollande talvez devesse ter dialogado.

Mas dialogar, nesse caso, significaria obedecer.

As demais tolerâncias da presidente Dilma Rousseff, a começar pela tolerância aos próprios erros, também foram expostas em sua passagem pelos Estados Unidos.

Apresentando-se como chefe de Estado e de governo, mas agindo principalmente como candidata, ela aproveitou seu discurso na ONU e o contato com a imprensa para alardear os feitos da administração petista e condenar qualquer ensaio de seriedade no combate à inflação e a outros problemas, nunca plenamente reconhecidos, da economia brasileira.

Nova York foi apenas um palanque especial para a campanha.

Lá, como no Brasil, a candidata continuou falando sobre a inflação como se a variação dos preços nunca tivesse ficado acima da meta, isto é, acima de 4,5%, e a gestão das contas públicas fosse a mais prudente e austera.

Na mesma semana foi anunciado o uso de R$ 3,5 bilhões do Fundo Soberano para fechar as contas de 2014.

A ideia foi logo defendida pela candidata, mas criticada até por funcionários da equipe econômica.

O uso desse dinheiro, argumentam esses críticos, envolverá a venda -- com a consequente desvalorização -- de grande volume de ações do Banco do Brasil.

Mas essa discussão só ocorre porque faltou no governo o debate, muito mais importante, sobre como cuidar direito das contas públicas.

A arrecadação de agosto, embora anabolizada com R$ 7,13 bilhões do Refis -- o programa de refinanciamento de dívidas tributárias -- foi insuficiente para mudar o panorama fiscal.

A arrecadação de janeiro a agosto, R$ 771,79 bilhões, foi apenas 0,64% maior que a de igual período de 2013, descontada a inflação. Há alguns meses o pessoal da Receita ainda projetava um crescimento real de 3% neste ano.

Agora se estima 1% e esse resultado ainda vai depender de mais anabolizantes, como novos pagamentos do Refis, dividendos, bônus de concessões e até o dinheiro do Fundo Soberano.

O fiasco da arrecadação é explicável em boa parte pelo baixo nível de atividade econômica.

Ao divulgar os valores acumulados em oito meses, o pessoal da Receita chamou a atenção, em seu relatório, para alguns dos "principais fatores".

De janeiro a agosto a produção industrial foi 2,7% menor que a de um ano antes.

As vendas de bens e serviços, no varejo, 0,09% inferiores.

O valor das importações, em dólares, 1,2% mais baixo que o dos mesmos oito meses de 2013.

Sem poder negar esses e outros números muito ruins, a presidente Dilma Rousseff e seus ministros atribuem a paradeira econômica do Brasil à situação internacional.

Em outras palavras, os problemas vêm de fora, porque o governo cuida muito bem da economia nacional.

Mas também essa conversa é desmentida seguidamente pelos fatos.

A economia americana cresceu no segundo trimestre em ritmo equivalente a 4,6% ao ano. Além disso, o produto interno bruto (PIB) do período de abril a junho foi 2,9% maior que do mesmo trimestre do ano anterior.

As economias peruana, colombiana e chilena continuam com desempenho muito melhor que o da brasileira, apesar de alguma desaceleração -- e todas com inflação muito menor.

Nem é preciso citar os casos da China e de outras potências da Ásia.

Nem o governo federal projeta para este ano um crescimento econômico acima de 0,9%.

Esse número foi divulgado há poucos dias pelo Ministério do Planejamento, juntamente com a revisão de receitas e despesas orçamentárias do quarto bimestre.

No mercado, a projeção do aumento do PIB já havia caído para 0,3%.

A inflação, depois de hibernar por alguns meses, saiu novamente da toca.

Na sexta-feira o IBGE divulgou sua nova pesquisa do Índice de Preços ao Produtor (IPP). O aumento, em agosto, foi de 0,48%.

Foi a primeira alta desde fevereiro. A elevação acumulada em 12 meses é pequena, 2,5%, mas a aceleração é clara e já havia sido indicada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em sua coleta dos preços por atacado.

A reação dos preços ao consumidor também é evidente.

Nas quatro últimas coletas, o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S), também da FGV, passou por 0,12% em 31 de agosto e 0,21%, 0,39% e 0,43% nas pesquisas seguintes.

Os números são atualizados semanalmente, mas sempre com base num período equivalente a um mês.

O IPCA-15, prévia do índice oficial produzido pelo IBGE, bateu em 0,39% no período encerrado no meio de setembro.

Em 12 meses a alta acumulada chegou a 6,62%.

A candidata continua recusando, no entanto, qualquer ação séria para conter a alta de preços.

Ações sérias poderiam incluir uma administração melhor das contas públicas, com menor gastança e menor distribuição de benefícios fiscais e subsídios.

Em caso de necessidade, o Banco Central poderia elevar os juros básicos, mantidos em 11%.

A presidente rotula essas políticas como recessivas.

É uma fala surrealista, num cenário de estagnação com inflação.

Mas há quem pareça acreditar.


  

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