O fator confiança 07/10/2014
- Celso Ming - O Estado de S.Paulo
Os resultados das eleições do primeiro turno exigem revisão de cenários a partir de 2015. Embora houvesse alto grau de convergência entre as propostas de política econômica dos candidatos da oposição, para a candidata Dilma Rousseff enfrentar a proposta econômica de Aécio Neves não é a mesma coisa que enfrentar a proposta econômica de Marina Silva.
A presidente Dilma vinha repetindo que, caso reeleita para um segundo mandato, não faria grandes correções de rumo. A condução da economia ficaria limitada a ajustes, nada de muito profundo. Enfim, Dilma dobraria as apostas na que chamou de nova matriz macroeconômica, baseada na indução do crescimento pela expansão das despesas públicas.
Ela não via (e ainda não vê) razões para cavalos de pau porque continua aferrada ao diagnóstico de que o baixo crescimento econômico e a inflação alta demais foram e continuam sendo gerados lá fora. Nessas condições, nada a fazer além de reforçar a dose de paciência e de esperar até que a conjuntura mude.
PUBLICIDADE
Esta Coluna vinha argumentando que esse discurso já era, por si só, mais eleitoreiro do que programático e que, se tivesse de realinhar preços administrados e o próprio câmbio, como ficou inevitável, apenas essas duas manobras implicariam escolhas que mudam muito do jogo do primeiro mandato. Isso porque exigiriam um aperto nas contas públicas que não houve até agora, para evitar a disparada da inflação e outras distorções.
Mas isso não é tudo. O governo do PT parece não ter se dado conta de que as condições externas mudaram – e estas não têm a ver com o diagnóstico de base. Acabou o rali das commodities e está para acabar a oferta generosa de recursos em moeda estrangeira, porque o Fed, o banco central dos Estados Unidos, programa agora a retirada de dólares da economia. São fatores que, por si sós, exigirão mudanças não triviais na economia brasileira.
Um futuro governo Dilma ainda teria de enfrentar o baixo índice de confiança, que não se concentra apenas na faixa dos empresários. Ele permeia a maioria dos segmentos sociais, como os indicadores estão demonstrando.
A ameaça mais iminente é a perda do grau de investimento dos títulos públicos. Se for confirmada, o Brasil será obrigado a aceitar um aumento dos juros na rolagem de suas dívidas em moeda estrangeira e, além disso, verá desmilinguir ainda mais os índices de confiança na economia. Nesse quesito, um cenário Aécio pelo menos começaria com certa vantagem. Seria assumidamente um retorno à ortodoxia, à maior previsibilidade e à busca de um crescimento econômico sustentável.
Ainda que uma equação macroeconômica capaz de evitar a recessão e o rebaixamento da qualidade da dívida não esteja de todo clara, parece bem mais complicado agora para a presidente Dilma enfrentar uma proposta de oposição.
Se tivesse de concorrer com Marina no segundo turno, Dilma talvez continuasse a desconstruir-lhe a frágil candidatura. Como agora o adversário é outro, e este exibe Armínio Fraga como arma contra a prostração, é possível que a candidata do governo tenha de avançar em direção do que não pretendeu fazer, ou seja, na direção do que a Carta ao Povo Brasileiro representou em 2002 para a recuperação da confiança na primeira candidatura Lula.
Nada muda
Nesta segunda-feira, o juiz de Nova York Thomas Griesa decidiu que o governo da Argentina deverá voltar a depositar no Banco de Nova York Mellon (Bony) o pagamento da sua dívida reestruturada. Na semana passada, a Argentina entendeu que devesse fazer os depósitos em Buenos Aires, para evitar sequestro judicial de recursos. A rigor, nada mudou. Se já ignorava as sentenças de Griesa, continuará ignorando. Falta saber como Griesa poderá forçar a Argentina a acatar suas sentenças.