Sofrer na própria carne 12/10/2014
- Folha de S.Paulo
As tentativas de integrantes do governo federal de disfarçar os maus resultados da política econômica tornaram-se mais do que infrutíferas.
São agora contraproducentes ou mesmo alarmantes, pois sugerem uma atitude situada entre o alheamento da realidade e a obstinação no erro.
A mais recente demonstração desse comportamento foi dada na entrevista em que o secretário de Política Econômica, Márcio Holland, comentava os dados a respeito dos preços de setembro.
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Diante do fato de que a inflação de novo superou o teto da meta, esse alto funcionário do Ministério da Fazenda observou que o preço de alguns alimentos aumentou mais que o de outros.
A informação é corriqueira, mas fugiu ao convencional sua recomendação de que os brasileiros passassem a adquirir substitutos mais em conta.
A sugestão, entre cômica e constrangedora, resultou da desastrada tentativa de dissimular os efeitos da carestia com um fato econômico conhecido: os consumidores trocam produtos temporariamente mais caros por similares (carne de boi por frango, por exemplo).
Em uma nota em que procuraria atenuar as consequências de sua declaração, o secretário Holland afirmou que tratava apenas desse "efeito substituição".
Quando existe essa troca por produtos mais baratos, pode ocorrer inclusive uma medida superestimada da inflação "real", pois o bem de preço mais alto deixa, por um tempo, de fazer parte da cesta de consumo habitual.
Dado o problema inflacionário brasileiro, a observação é pormenor técnico.
O IPCA, índice de preços que baliza o regime de metas, flutua em torno de 6% desde 2010; em termos anuais, atingiu 6,75% em setembro.
Trata-se do mesmo nível dos "núcleos de inflação", medidas que desconsideram preços discrepantes ou sujeitos a choques.
A alta dos valores é disseminada, se medida pela proporção de produtos que se tornam mais caros mês a mês.
Esse "índice de difusão" voltou a subir, para 61% dos subitens da cesta de consumo avaliada pelo IBGE.
A média dos economistas ouvidos pelo Banco Central projeta inflação de 6,3% para este ano. Ou seja, a carestia é persistente e abrangente.
Mascarar tal problema produz apenas mais descrédito na administração do país. Reduz a confiança de consumidores e empresários.
Não encará-lo de modo devido e decisivo induz os agentes econômicos a esperar outras, e talvez maiores, rodadas de altas de preços, com o que a inflação se torna mais resistente.
Assim, aumenta o custo de reduzi-la. O remédio se torna mais amargo, não importa o quanto se doure a pílula.