Dilma, a Priscila do Deserto Moral 31/10/2014
- Reinaldo Azevedo - Folha de S.Paulo
Em Kakânia, o país imaginário de Musil em "O Homem Sem Qualidades", podia-se, às vezes, tomar um "gênio por um patife", mas "nunca se tomava um patife por um gênio".
Dia desses, um dublê de colunista político e cortesão resolveu me ironizar porque afirmei que o país sai das urnas "dividido, rachado ao meio".
As esquerdas, que produziram vasta literatura sobre a indústria eleitoreira da miséria, agora pretendem negar as suas próprias constatações.
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O Nordeste servia como emblema dessa relação quando o quase extinto PFL dava as cartas na região.
Hoje, apontar o óbvio seria sinal de preconceito e demofobia.
Em Banânia, não apenas se tomam gênios como patifes, mas também patifes como gênios.
Vejam os 15 Estados em que Dilma venceu no segundo turno, o seu percentual de votos (primeiro número) e o percentual de famílias atendidas pelo Bolsa Família (segundo número).
Os dados são do TSE (desprezei os algarismos depois da vírgula) e do Ministério do Desenvolvimento Social (setembro de 2014).
Maranhão (78-58), Piauí (78-54), Ceará (76-47), Bahia (70-47), Pernambuco (70-47), Rio Grande do Norte (69-40), Sergipe (67-49), Paraíba (64-50), Amazonas (64-43), Alagoas (63-53), Amapá (61-33), Tocantins (59-38), Pará (57-46), Rio de Janeiro (54-17) e Minas (52-21).
Agora seguem os Estados em que Dilma perdeu, com os mesmos dados:
Santa Catarina (35-07), São Paulo (35-11), Acre (36-42), Distrito Federal (38-12), Paraná (39-13), Goiás (42-19), Mato Grosso do Sul (43-21), Rondônia (45-26), Mato Grosso (45-22), Rio Grande do Sul (46-13), Espírito Santo (46-19) e Roraima (42-47).
É preciso ser intelectualmente desonesto para não constatar que existe uma óbvia relação entre o benefício e a fidelidade ao petismo, que é o coronelismo da hora.
A petista venceu o tucano por menos de 3,5 milhões de votos.
Só no Nordeste, a sua vantagem foi de mais de 12,2 milhões.
O percentual de famílias atingidas pelo programa, na região, varia de 40% (RN) a 58% (MA).
O Acre e Roraima, de um lado, e Minas e Rio, de outro, parecem negar a evidência.
Vistas as particularidades, não tenho espaço, apenas confirmam.
A média de votos de Dilma nos mil municípios com mais beneficiários do Bolsa Família foi de 73,1%; nos mil com menos, de apenas 28,2%.
Nas mil cidades que concentram maior número de famílias com renda per capita igual ou inferior a R$ 70, a petista obteve 74,3% dos votos, nas mil com menos, só 28%.
É claro que não é o Nordeste o culpado.
É a pobreza!
Mas aí o esquerdista cascudo se regozija porque, afinal, a "represidenta" é a Priscila do Deserto Moral do Bolsa Família -- que tem de ser mantido, sim, e de se transformar em política de Estado, imune ao proselitismo.
Um governo que não se ocupasse de minorar a miséria seria indecoroso, além de cruel.
Um governo que se orgulha de manter 50 milhões de pessoas atreladas ao programa é cruel, além de indecoroso.
Tanto pior quando a máquina oficial é mobilizada para fazer terrorismo eleitoral e ameaçar com o fim do benefício quem depende, para viver, de uma pensão que vai de R$ 32 a R$ 140.
Eu não gostaria de estar na pele moral dessa gente.
Os imbecis falam em separatismo.
Os decentes têm de pensar em como libertar os pobres da chantagem e da vigarice.