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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Como derrotar Tiririca?
05/11/2014 - Marcelo Coelho - Folha de S.Paulo

A última moda em matéria de reforma política é dizer que não precisamos de reforma política. Compreendo a opinião: o assunto é espinhoso e as discussões acabam não dando em nada.

Mas acho difícil concordar com o cientista político Carlos Pereira, para quem o presidencialismo brasileiro bem ou mal dá conta do recado, ou com seu colega Fabiano Santos, para quem a reforma política seria uma caixa de Pandora, uma irresponsabilidade total.

Vendo o assunto "de fora", pode até ser. As coisas em geral funcionam antes de entrar em colapso, e tudo o que vai indo pode piorar muito quando se tenta melhorar um pouco.


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Minha perspectiva é outra. Prefiro abandonar essa visão "macro" do sistema —pela qual se pode reconhecer que há estabilidade democrática, relativa independência dos poderes, doses razoáveis de consenso, e até (será mesmo?) padrões crescentes, embora baixos, de controle da corrupção.

Adoto, em vez disso, um ponto de vista individual, o do eleitor comum, no caso eu mesmo. Aí acho que a necessidade de uma reforma política se impõe claramente.

Dilma ou Aécio? A escolha do segundo turno, seja qual a preferência que tenhamos, não foi complicada, obscura, distorcida. Cada um votou em quem queria, e elegeu-se quem teve mais votos. Pode-se melhorar o conteúdo dos debates, pode-se (e deve-se) pensar em campanhas mais baratas, mas o sistema, em termos de técnica institucional, não precisa ser reformado.

Tudo é diferente, na minha opinião, quando passamos às eleições para deputados estaduais e federais. Há milhares de candidatos. Há dezenas de partidos. Todo mundo esquece em quem votou. Na véspera da eleição, ninguém sabe direito quem vai escolher.

Quando tanta gente vota em Tiririca, é evidente que há algo de errado no sistema. Pode-se argumentar que essa foi simplesmente a vontade da população. Discordo.

Basta imaginar o que aconteceria se Tiririca fosse candidato a senador. Na última eleição, a disputa para esse cargo se deu entre José Serra e Eduardo Suplicy. São figuras públicas de alto nível. Não acho exagero dizer que a grande maioria dos eleitores rejeitaria o nome de Tiririca se tivesse de optar entre ele e Serra, entre ele e Suplicy.

Qual a diferença entre votar em senador e votar em deputado federal?

É que, quando escolhemos alguém para uma vaga no Senado, estamos eliminando os seus rivais. Quem vota a favor de alguém vota, ao mesmo tempo, contra os seus adversários.

No caso das eleições para deputado, isso não acontece: o voto num candidato não significa a rejeição aos outros. Pelo menos, no atual sistema proporcional.

No sistema distrital, misto ou puro, a disputa por uma vaga na Câmara dos Deputados funcionaria como no Senado: entre cinco ou dez concorrentes num mesmo distrito, escolho um e elimino os outros. Nesse caso, eleger significaria, literalmente, "escolher". Vejo todos os candidatos e determino, que seja, o menos pior.

Por que as pessoas votam em Tiririca? Não é que o prefiram, em meio aos milhares de postulantes. Quando você tem milhares de opções, não consegue conhecer nenhuma. O voto se transforma num ato de reconhecimento: "Esse eu sei quem é". Ou, pior ainda, "Tem de votar em alguém? O único nome que me ocorre é o do Tiririca".

É como se todos seus eleitores estivessem, na verdade, pedindo por socorro. Ajudem-nos a saber em quem votar. Ajudem-nos a ter uma eleição que faça sentido.

Associa-se, em geral, o baixo nível da Câmara dos Deputados ao baixo nível educacional do eleitorado brasileiro. É a teoria do "reflexo". A Câmara é um espelho da sociedade.

Mas o problema não é de espelhar o que quer que seja. E sim de representar a vontade dos eleitores. A ditadura de Idi Amin Dada era "reflexo" da sociedade ugandense dos anos 1970? Digamos que fosse. Mas isso é muito diferente de dizer que Idi Amin "representava" os desejos da população de Uganda.

A questão é dar ao eleitor os melhores mecanismos possíveis para que ele expresse sua vontade política (que aponta para algum rumo qualquer, seja o da continuidade, seja o da mudança).

Uma pessoa com sérios problemas de fala deve consultar um fonoaudiólogo. Mas há quem considere que seus grunhidos ininteligíveis são "uma expressão legítima" de suas pouco invejáveis condições de saúde.


  

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