- Ela não acredita em preço 06/11/2014
- Blog de Geraldo Samor - Veja.com
Além de fortalecer a política macroeconômica, a Presidente Dilma Rousseff deveria rever a forma como lidou com a microeconomia em seu primeiro mandato e entender que o investimento privado não é a resultante de um jogo combinado com os empresários, e sim de regras claras que reconheçam que os preços de mercado são os verdadeiros balizadores do investimento.
Abaixo, a coluna transcreve as impressões de um empresário com bom trânsito junto ao PT mas com uma visão crítica sobre a condução das políticas macro e micro no primeiro mandato de Dilma.
Suas preocupações ilustram bem as dificuldades da economia nos próximos anos se a Presidente não reavaliar a forma como tenta incentivar o setor privado.
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Os comentários também podem servir de diagnóstico e plano de ação para o novo Ministro da Fazenda, cujo nome será conhecido em breve e cuja capacidade de persuasão junto à presidente será crítica para a reversão das expectativas dos investidores com relação ao Brasil.
Segue o desabafo:
“A Dilma deve estar bastante chateada com a turma da FIESP, porque a política econômica dela veio de lá. Eles [empresários da FIESP] pediram a ela juro real baixo (mesmo à custa de inflação alta), crédito abundante e subsidiado, um câmbio nominal alto, uma política industrial seletiva, proteção tarifária e uma agenda para lidar com o custo Brasil — o que veio na forma de desonerações tributárias específicas e redução do custo de energia.
Ela foi lá, mudou a regulação na marra, expropriou bilhões do setor de energia e derrubou a tarifa.
Voltou nos empresários e disse: ‘Senhores, baixei o juro na porrada, o câmbio se desvalorizou, e o BNDES está emprestando como nunca. Fiz tudo isto em prol dos senhores! Agora entreguem!’
Essa agenda deu no que deu: crescimento zero, inflação alta e investimento baixo. Ou seja, a Dilma e a FIESP são dois lados da mesma moeda. Nenhum dos dois acredita em mercado!
A verdadeira guinada na política econômica seria ela começar a acreditar em preço, acreditar nos mercados e nos preços como mecanismos de alocação de recursos. Ela não acredita em preço.
A diferença entre alguém que acredita em preço e outro que não acredita é a seguinte: o primeiro sabe que os empresários vão plantar mais ou menos berinjelas dependendo do preço da berinjela no mercado. Quem não acredita em preço acha que é só pegar o telefone e mandar o empresário plantar uma berinjela. Não é assim.
Quando o Governo e o mercado falam em política econômica e movimento de reaproximação, estão falando essencialmente da gestão macro (política monetária, câmbio, fiscal) e não das reformas micro. No macro, acho que um certo otimismo faz sentido: a Dilma é pragmática o suficiente para perceber que o mix atual de política não fucionou bem. Acho que mudanças para melhor virão – na margem.
Eu acho que ela vai melhorar o lado fiscal, aliás, isso é relativamente fácil, depois de todos os absurdos que fizeram [de contabilidade criativa] nos últimos anos.
Acho que vamos deixar de ser um aluno ‘D’ para ser um aluno ‘C-’.
Já no micro eu estou bastante pessimista. Para haver alguma guinada nesta seara a Dilma e a sua equipe precisariam começar a acreditar que o mercado é a grande ferramenta de alocação de recursos da economia, e não as negociações com empresários ou ordens diretas a eles.
Esse papo de se reaproximar do diálogo com os empresários reflete o modo ingênuo e até acadêmico como o PT vê os mercados. O PT acha que o mercado são 30 pessoas com quem você fala quando quer. O mercado não é uma entidade para quem você pode telefonar e marcar uma reunião com ele. O mercado não é o Trabuco nem o Roberto Setúbal. É um ente despersonalizado que se orienta principalmente pelos incentivos, pelos preços.
No contexto micro, “mais diálogo” não é uma sinalização tão boa assim: não adianta nada “combinar o jogo” com as empresas se os preços não são consistentes com a dinâmica de oferta e demanda. E eu realmente acho que o governo não se converteu neste aspecto.
De novo, veja a questão da energia… estamos à beira de um apagão, despachando térmicas a torto e a direito, e o governo está falando em baixar, radicalmente, o preço de energia (que já era fixado por fórmula) no mercado spot. Acho que eles não entendem que, a despeito do que as empresas digam ou prometam, preço mais baixo significa consumo maior. Não dá para revogar a lei da gravidade por decreto.
Enfim, não sei se o governo entendeu que as coisas não deram certo porque certos princípios elementares de mercado não foram observados. Acho que o governo pensa que as coisas não deram certo porque, apesar dele ter feito “a parte dele”, o empresariado não entregou, não investiu, não produziu. Então a resposta seria “mais diálogo”. Não é. A resposta é mais mercado.”