Veio à luz na quarta-feira (5) um dado chocante: pela primeira vez desde 2003, quando se iniciou a série de mandatos presidenciais do PT, a miséria aumentou no país. Apenas 3,7%, mas aumentou.
O espanto decorre de duas razões. A primeira está na própria inversão da tendência de queda de indicador tão importante quanto esse. A segunda é a confirmação de que o governo federal ocultou do público uma informação negativa com relevância eleitoral.
Para empregar um termo caro à presidente Dilma Rousseff, trata-se de prática estarrecedora.
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A petista usou e abusou da redução da pobreza e da miséria como tema de campanha. Obediente ao comando do marqueteiro, martelou na sua propaganda que a oposição, se vitoriosa, interromperia o ciclo virtuoso na área social.
Pelo menos desde o primeiro turno, contudo, a candidata decerto já tinha conhecimento de que o total de miseráveis ou indigentes no Brasil havia passado de 10,08 milhões em 2012 para 10,45 milhões em 2013, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
No conceito do instituto, são miseráveis os brasileiros cuja renda não basta para adquirir uma cesta mínima de alimentos. Sob a alegação cínica de que o dado teria efeito eleitoral, o Ipea o escondeu por quase um mês e só o publicou em surdina, no último dia 30, no banco de dados digital Ipeadata.
Do ponto de vista estatístico, a rigor caberia falar antes de estagnação dos avanços do que de crescimento da indigência. Do ângulo político, representa grave revés para a promessa de eliminar a miséria do país até o final deste ano.
Outro tema sensível que o Planalto se permitiu escamotear foi o desmatamento na Amazônia. Havia indicações de que a destruição avançara em agosto e setembro, mas o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) atrasou a divulgação mensal das cifras de devastação do sistema de monitoramento por satélite Deter.
Só na sexta-feira (7) elas vieram a público, confirmando o desastre ambiental: 1.626 km² de desmate nos dois meses, 122% a mais que no mesmo intervalo de 2013.
Não estará errado quem, diante disso, evocar a imagem de um estelionato eleitoral. O governo, afinal, sonegou informações que a população tinha o direito de conhecer antes de decidir seu voto.
O quanto esses atestados de incompetência teriam mudado a escolha de cada eleitor, isso não se pode afirmar com certeza.
O que é certo, todavia, não é menos preocupante numa democracia: a sem-cerimônia com que o Planalto lança à sarjeta a reputação de dois importantes institutos nacionais e a pusilanimidade com que alguns de seus dirigentes e pesquisadores aceitam sujeitar funções públicas a mesquinhos interesses partidários.