Faroeste à brasileira 16/12/2014
- Blog de Augusto Nunes - Veja.com
Em março deste ano, quando poucos imaginavam que a negociata em Pasadena seria reduzida a roubalheira de aprendiz pelas descobertas bilionárias da Operação Lava Jato, o post reproduzido abaixo recordou alguns episódios que precederam a aplicação do conto da Petrobras Maravilha.
O elenco liderado por vigaristas de nascença foi engrossado por coadjuvantes que desempenharam com muita aplicação o papel de nacionalistas de galinheiro.
A farsa sobreviveu a disputas eleitorais, CPIs, operações da Polícia Federal, advertências do Tribunal de Contas da União, denúncias de funcionários -- tudo.
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Mas nenhum embuste dura para sempre.
A leitura do texto de março é essencial para a compreensão dos capítulos que vão desenhando o desfecho.
Como se verá nos posts seguintes, os canastrões que protagonizaram a marcha rumo ao penhasco, a julgar pelo que seguem recitando no palco, ainda ignoram o que já está definido no roteiro (ou fingem ignorar, o que dá no mesmo).
Também será demonstrado que o Petrolão será eternizado na história do faroeste à brasileira por duas singularidades.
Nunca houve uma superprodução desse porte.
E pela primeira vez numa obra do gênero, também os chefes do bando de gatunos, quem diria, serão derrotados no final.
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O caso da refinaria sepulta as invencionices de Lula e Dilma
No comício promovido por Lula para oficializar a saída de José Eduardo Dutra e a chegada de José Sérgio Gabrielli, o Brasil ficou sabendo que a Petrobras seria presidida por um gênio da raça disfarçado de economista baiano.
“O companheiro José Sérgio Gabrielli se transformou num dos mais importantes diretores financeiros que a empresa já teve em toda a sua história”, informou o palanque ambulante em 22 de julho de 2005.
Nem todos enxergam tão longe, elogiou-se na continuação do palavrório.
“Não faltaram pessoas que me diziam assim: o mercado não vai gostar, o mercado vai reagir, é melhor deixar quem está lá”, foi em frente o recordista sul-americano de bravata & bazófia.
“Como eu não tenho nenhuma relação de amizade com o mercado, resolvi indicar quem eu queria”.
O que queria (e, pelo jeito, encontrara) era alguém capaz de acumular a presidência da OPEP com a coordenação do carnaval de Salvador.
Como até gente assim pode precisar de conselhos, ele lembrou a Gabrielli que, caso quisesse ajuda, bastaria recorrer à onisciente e onipresente Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da Petrobras.
Ainda em 2005, a sumidade descoberta por Lula encampou a grande ideia de Nestor Cerveró, diretor da Área Internacional: comprar por US$ 360 milhões metade de uma refinaria no Texas que a empresa belga Astra Oil havia adquirido meses antes por US$ 42,5 milhões.
Com a ajuda de outro diretor, Paulo Roberto Costa, Cerveró produziu o “resumo executivo” apreciado em 3 de fevereiro de 2006 pelo Conselho de Administração.
Foi uma decisão desastrosa, comprovou o desfecho do negócio: em 2012, para encerrar a disputa judicial iniciada cinco anos antes, a Petrobras pagou mais US$ 820 milhões à Astra Oil e transformou-se na única proprietária de uma refinaria inútil.
Feitas as contas, a aquisição da velharia no Texas, sugerida por Gabrielli e aprovada por Dilma, custou US$ 1,18 bilhão -- ou 2,8 bilhões de reais, que poderiam ter atendido a angustiantes urgências do viveiro de miseráveis fantasiado de potência emergente.
Só nesta semana a supergerente mandona que tudo quer saber, e confere até o custo do cafezinho, resolveu enxergar o monumento à inépcia, à vigarice e à gatunagem.
Com a candura de uma Filha de Maria, alegou desconhecer a existência de cláusulas leoninas infiltradas no contrato.
Bastaria ter lido os documentos colocados à disposição da presidente do Conselho.
Em outubro de 2010, todos no Planalto sabiam da história inverossímil.
Menos Lula, reiterou a visita do maior governante desde Tomé de Souza ao campo de Tupi.
“Quando a gente quiser ter orgulho de alguma coisa neste país a gente lembra da Petrobrás, de seus engenheiros, de seu geólogos, do pessoal que é a razão maior do orgulho, mais do que o Carnaval, do que o futebol”, recomeçaram as invencionices ufanistas.
“A Petrobrás é a certeza e a convicção de que este país será uma grande nação. É a prova mais contundente de que o brasileiro é capaz, é inteligente, não é de segunda classe”.
Depois que o Estadão incorporou a presidente da República ao espetáculo da indecência, a movimentação dos atores ampliou a afronta ao país que presta.
Em campanha no Ceará, Dilma recusou-se a comentar a transação vergonhosa: estava lá para não dizer coisa com coisa sobre “mobilidade urbana”.
Gabrielli, agora secretário de Planejamento da Bahia, culpou a “crise internacional” pelo negócio suspeitíssimo.
Nestor Cerveró, hoje diretor financeiro da BR Distribuidora, tirou férias e foi para a Europa.
Cerveró achou prudente cair fora do país tão logo soube que o álibi montado por Dilma transfere integralmente a culpa para os autores do resumo executivo.
A demissão o alcançou a milhares de quilômetros de distância.
Nesta sexta-feira, por ordem do Planalto, o diretor financeiro da BR Distribuidora perdeu o emprego pelo que fez há mais de oito anos o diretor da Área Internacional da Petrobras.
É bom que se cuide: para salvar do naufrágio a candidata à reeleição, o comitê central da campanha pode conferir-lhe o papel que sobrou para Marcos Valério no escândalo do mensalão.
Seu parceiro Paulo Roberto Costa está preso, mas por outros motivos: a polícia descobriu que trocou a direção da Petrobras pelo alto comando de uma quadrilha especializada em lavagem de dinheiro.
Afônico de novo, Lula sussurrou a alguns amigos que Dilma não deveria ter confessado o que fez.
Daqui a alguns dias vai recuperar a voz para jurar que não sabe de nada.
Como os afilhados Dilma e Gabrielli, como os demais sacerdotes da seita que o venera, o padrinho e Grande Pastor sempre soube de tudo.
Recitando que o petróleo é nosso, os donos do poder privatizaram a empresa agora reduzida a caso de polícia.