O surrealismo da Justiça 17/12/2014
- Blog de Reinaldo Azevedo - Veja.com
A esta altura, vocês sabem que o Supremo Tribunal Federal anulou um dos processos relativos à morte do prefeito Celso Daniel, ocorrida em janeiro de 2002: justamente aquele que diz respeito a Sérgio Gomes da Silva, conhecido como “Sérgio Sombra”, que foi considerado o mandante do crime pelo Ministério Público Estadual.
Vou expor as razões apresentadas para a anulação e me dispensarei de entrar no mérito se acho Sombra culpado ou inocente. Até porque, vamos convir, não sou Justiça.
O que lamento aqui é uma mecânica processual -- e como estamos atrasados nisso! -- que permite que um dos réus de um crime ocorrido em 2002 ainda não tenha sido julgado em 2014 e que, depois de quase 13 anos, o processo seja simplesmente anulado.
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Vale dizer: a acusação contra Sombra volta ao primeiro estágio, ao da instrução, e será ainda analisada pelo juiz da primeira instância…
Mais quantos anos? 13? 15? 20? A eternidade?
Para vocês terem uma ideia, será preciso ouvir testemunhas…
Roberto Podval, advogado de Sombra, recorreu ao Supremo porque afirmou que a defesa não teve a chance de interrogar os outros réus, o que é garantido pela jurisprudência da Corte.
E isso é fato.
Houve empate na turma: 2 a 2. Os ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli foram sensíveis ao pleito da defesa; Rosa Weber e Roberto Barroso o recusaram por razões técnicas: acharam que o habeas corpus não era o instrumento adequado.
A decisão vale só para Sérgio Sombra.
Ocorre que o processo já tem seis condenados cumprindo pena.
E agora?
O mais provável é que seus respectivos advogados recorram, com base no mesmo fundamento.
O que vai acontecer?
Ninguém tem a menor ideia.
O processo de Sombra voltará à fase de instrução, e não haveria razão para ser diferente com os demais.
Digamos que alguém condenado no julgamento anulado seja absolvido em novo julgamento…
E a parte da pena que já foi cumprida?
Uma Justiça que permite esses surrealismos está com graves problemas, não é mesmo?, independentemente de qual seja a nossa convicção a respeito do caso.
Aliás, o processo já estava parado no Supremo porque a defesa de Sombra recorrera ao tribunal alegando que o Ministério Público não tem competência para investigar.
O relator é o ministro Ricardo Lewandowski, que está sentado sobre o caso há dois anos.
Alegada a incompetência do MP, a defesa pedia a anulação do processo também por esse motivo.
Quer dizer que Lewandowski pode se dispensar de dar agora uma resposta?
Acho que não!
A eventual anulação do processo contra Sombra por incompetência do MP iria, sim, beneficiar o réu, mas seu alcance é mais geral.
O que se vai definir é, afinal, qual é o arco de atribuições do Ministério Público.
Se bem se lembram, a tal PEC 37 tentou tornar o poder de investigação exclusivo das polícias.
Por outras vias, o tema está dormitando no Supremo.
O que Lewandowski espera para tomar uma decisão.
Creio que nem Deus saiba.
Fux e manobra
Pois é… Pois é…
O segredo de aborrecer é dizer tudo.
A turma que julgou a questão não tem apenas quatro ministros, mas cinco.
Luiz Fux estava ausente.
Assim, esse empate não precisaria ter existido, não é mesmo?
Bastaria que alguém pedisse vista, por exemplo, aguardando uma sessão em que ele pudesse votar.
“Ah, mas o réu não pode esperar”.
Ora, o que parece inaceitável é que se deixe uma votação dessa importância para o último dia, com a possibilidade de se produzir um empate, como aconteceu.
De resto, onde está tamanha urgência?
Sombra está solto.
Mais: as turmas podem recorrer ao pleno do Supremo.
Bastaria que um dos ministros tivesse levantado uma questão de ordem.
O outro dado surrealista dessa história e que bastem apenas dois votos no Supremo para anular todo um processo.
Nem na turma, há maioria.
Com a devida vênia, o conjunto da obra ficou com cara de manobra.