Uma ilha (de cinismo) em um mar de mediocridade 26/01/2015
- Blog de Rodrigo Constantino - Veja.com
Investidores do Brasil e do mundo resolveram se encantar com Joaquim Levy, o “fiscalista” ortodoxo que chegou para trazer bom senso a um governo esclerosado, incompetente e ideologizado, sem falar corrupto.
Vai fazer o ajuste das contas, resgatar a confiança de todos. Eis a palavra-chave: confiança, repetida várias vezes em seus discursos e entrevistas em Davos. Mas dá mesmo para confiar em Levy?
A julgar por suas palavras, não. Justamente porque as palavras não combinam com o governo que o emprega como ministro.
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Levy fala no plural, que eles decidiram mudar o curso das políticas econômicas, pois o cenário mudou, basicamente com a queda do preço das commodities.
Ou seja, já começa assumindo o papel de advogado do nacional-desenvolvimentismo “anterior”, mitigando ou anulando a responsabilidade da própria presidente no caos que vivemos na economia (e que está apenas começando). É um papelão.
Alguns podem alegar que se trata de pragmatismo, que ele precisa adotar discurso suave para conseguir as mudanças desejadas sem tanta resistência da própria presidente.
Acho que pragmatismo deve ter limite e que a dignidade e o compromisso com a verdade devem estar acima disso.
E acho que o pragmatismo maior pode ser da própria Dilma e do PT, que estariam usando o economista de Chicago para o trabalho sujo, livrando a Unicamp do fardo por suas escolhas equivocadas.
Levy chegou a repetir o discurso oficial das conquistas no mercado de trabalho, com as menores taxas de desemprego da história.
Só esqueceu que isso se deve a outros fatores que não têm ligação direta com as medidas do governo, e que o emprego é o último setor a sentir o peso das trapalhadas econômicas, pois é muito caro contratar, treinar e demitir no Brasil.
Mas é até irônico esse discurso quando o mercado de trabalho teve a menor criação de vagas em 12 anos, e está indo ladeira abaixo.
Outra coisa estranha foi Levy culpar as eleições pela perda da confiança.
Como assim?
Então o problema foi a Dilma candidata?
Não a Dilma presidente, economista, “ministra” da Fazenda?
Não dá para engolir isso.
Os investidores perderam a confiança no Brasil porque o governo só fez besteira, e isso aconteceu porque Dilma acredita naquele modelo fracassado.
“Queremos o setor privado e para isso temos de assegurar que seja mais fácil fazer negócios no Brasil. Há muito o que fazer em impostos”, disse.
Sim, no seu caso, aumentá-los!
Foi o que já fez o novo ministro “neoliberal”, algo que liberal algum defenderia num país como o nosso.
Esqueça cortar ministérios, bilhões em gastos públicos que subiram de forma irresponsável e até descontrolada nos últimos anos, sem melhoria alguma nos serviços.
O ajuste será pelo aumento da receita!
Citar “reformas estruturais” é o ápice do cinismo, pois Levy sabe que nenhuma reforma estrutural vai vir deste governo.
Como pode Levy aceitar, então, ser o fiador de um discurso irreal, inverossímil e em tom eleitoreiro, apenas para conquistar a confiança dos iludidos?
É um ato indecente, em minha opinião.
Arminio Fraga, em ótima entrevista ao Estadão, chamou Levy de “uma ilha de competência em um mar de mediocridade”.
As palavras do ex-presidente do Banco Central foram até duras para seu estilo mais diplomático, mas eu iria mais longe: Levy é uma ilha de cinismo em um mar de mediocridade, ou pior, de bandidagem explícita e incompetência ideológica assustadora, que precisam melhorar muito para serem apenas medíocres.
A competência de Levy, inegável, está a serviço de algo indefensável.
O baixo nível da campanha petista nas eleições deixou mágoas em Arminio, cansado do teatro imoral liderado pelo marqueteiro João Santana.
Para Arminio, “estamos vivendo uma enorme crise de valores e isso é gravíssimo”.
Mensalão, petrolão, mentiras na campanha, tudo visto com muita naturalidade pelo povo.
O PT banalizou a baixaria e a indecência.
Alguém acha que o próprio Arminio aceitaria ser o porta-voz de um governo desses?
Pois é.
E isso diz muito de Levy.
Como aceitar o papel de defensor oficial disso que está aí, prejudicando a vida dos brasileiros há anos?
Como contribuir com a reputação pessoal para dar aval a um governo tão populista?
E, como Arminio reconhece, Levy “está focando mais do lado da receita do que do gasto”.
Dá para aplaudir ou defender alguém que trabalha para aumentar as receitas de um governo perdulário, irresponsável, populista e corrupto como esse?
“Num governo carregado de ideologia, de corrupção e de incompetência, não há nada para cortar?”, pergunta Arminio.
Pergunta retórica: é lógico que tem, e tem muita gordura para cortar.
Mas Levy não vai por esse caminho, ou porque não pode, ou porque não quer.
Não importa: tornou-se o fiador dos incompetentes e corruptos, dos ideológicos com fome insaciável por recursos públicos.
Eis uma mancha enorme no currículo de qualquer um.
Como definiu bem Arminio, “lugar de empresário é na fábrica, não em Brasília”.
Isso resume a diferença entre o modelo liberal e o patrimonialista.
No “capitalismo de estado” fomentado pelo PT, os empresários “investem” mais em lobby do que em produtividade, pois cair nas graças do governo é a melhor coisa do mundo, uma vez que o governo adora distribuir benesses e privilégios, intervindo na economia de forma excessiva.
Levy acha mesmo que isso vai mudar agora?
Diogo Mainardi e Mario Sabino, com toda a sua irreverência, foram os que melhor definiram Levy.
Disseram os colunistas de O Antagonista, de forma direta, sem rodeios:
“Joaquim Levy não fala em reduzir o número de ministérios, rever os contratos superfaturados em obras públicas, enxugar o custo da máquina governamental e diminuir a intervenção do estado na economia. É um tucaninho amestrado, que fala como uma arara satisfeita em fazer o servicinho sujo para o PT -- e só”.
Ninguém que se presta a ajudar um “partido” como o PT não só a ficar no poder mais tempo, como a expandir seus tentáculos sobre nossos bolsos, merece meu respeito ou minha admiração.
Acho que chegamos num momento mais maniqueísta mesmo de nosso país, graças ao próprio PT: as pessoas decentes não aguentam mais tanta corrupção, descaso e incompetência, e só há um lugar para tais pessoas na política nacional: a oposição.