Cuba e o desencanto do poeta 17/02/2015
- Clóvis Rossi - Folha de S.Paulo
Pablo Milanés, 72 anos a completar domingo (22), é uma espécie de Chico Buarque de Holanda cubano. Criou, com Silvio Rodríguez, a Nova Trova Cubana e funcionou na maior parte do tempo como o grande trovador da revolução.
Não o dissuadiu de cantá-la nem o fato de ter passado dois anos (1965/67) pelos campos de concentração da ilha, vítima do que chama de "repressão stalinista".
Agora, em entrevista publicada no sábado (14) por "El País", o poeta se confessa vítima de uma fraude cometida por "uns dirigentes que prometeram um amanhã melhor, com felicidade, com liberdades e com uma prosperidade que nunca chegou em 50 anos", que é, pouco mais ou menos, o tempo de vida da Revolução Cubana.
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Milanés é definitivo: "Cuba forma parte do fracasso do socialismo real". Ou, posto de outra forma: é um escapismo achar que o socialismo caribenho é diferente do falecido comunismo da União Soviética e seus satélites. Faliram ambos.
Já faz algum tempo que o trovador, autor de belíssimas canções, vinha ensaiando a crítica que agora faz ao regime que defendeu.
O que surpreende é o fato de que intelectuais e artistas brasileiros, muitos dos quais sonharam sonhos embalados pelas letras de Milanés, não tenham ainda percebido o óbvio por ele exposto tão tranquila e cristalinamente.
Ou perceberam e preferem silenciar, o que é até compreensível. Raras são as pessoas com a coragem de admitir que passaram meio século equivocadas.
Ou, o que seria ainda pior, calam para não perder a boquinha dos convites para viajar a Cuba e louvar depois, nos seus círculos estreitos, o que era revolução e virou apenas mais uma ditadura latino-americana.
Não sei o que esse pessoal teme. Milanés critica o regime cubano sem deixar de "sentir-se revolucionário".
Explica seu fascínio pela revolução com uma descrição que muitíssima gente de sua geração também faria:
"A origem [do fascínio] está no que significou Cuba em 1959 para o mundo. Eu tinha então 15 anos e, quando me aprofundei na realidade social da América Latina, me converti em um revolucionário. (...) Os ideais que professávamos eram os mais puros que se podiam ter naquela época".
Cuba significou à época a liberdade após uma tirania obscena e a possibilidade de cicatrizar as "veias abertas da América Latina", para usar o clássico de Eduardo Galeano.
Se Cuba foi uma fraude, Milanés põe outro idealista no altar: "Para mim, o maior exemplo de revolucionário na América é José Mujica [presidente do Uruguai], preso durante 14 anos e, depois, um homem sem rancor, capaz de criar um Estado livre, soberano, não dependente e próspero".
Mujica tem realmente uma certa aura, mas o seu Uruguai está longe de representar a utopia que Cuba parecia nos anos 60.
Talvez por isso, uma ampla fatia da esquerda prefira não ver ou calar sobre a transformação da ilha caribenha em distopia.
Milanés, o poeta, ao contrário, sente que já não pode dedicar versos a uma Cuba que matou a poesia.