Barbosa está certo 18/02/2015
- Blog de Reinaldo Azevedo - Veja.com
Quem me acompanha aqui sabe que já discordei de Joaquim Barbosa, ex-ministro do Supremo, muitas vezes. E já concordei com ele também. E nem sempre o PT estava em pauta.
Eu não critico ou aplaudo pessoas, mas sua atuação pública e suas opiniões.
Barbosa voltou a ser alvo da fúria dos petralhas porque, há quatro dias, postou esses dois comentários em sua conta no Twitter -- eu os reproduzo também em texto para facilitar a vida de quem replica meus posts.
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1) “Nós, brasileiros honestos, temos o direito e o dever de exigir que a Presidente Dilma demita imediatamente o Ministro da Justiça.”
2) “Ajuda à memória coletiva: pesquisem sobre 1 controvertida decisão do TCU de jun/jul 2012, pouco antes do início do julgamento da Ap 470.”
Vamos entender o que ele escreveu. Barbosa se referia à reportagem da mais recente edição da revista VEJA, informando que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, fez uma reunião, em seu gabinete, com o advogado Sérgio Renault, defensor da empreiteira UTC, que pertence ao empresário Ricardo Pessoa, preso desde novembro pela Operação Lava-Jato.
O ex-deputado e advogado petista Sigmaringa Seixas também estava presente.
Pessoa é visto pelo Planalto como homem-bomba.
Amigo pessoal de Lula, considera que foi abandonado pelo petismo e já deixou registrado num manuscrito que a dinheirama financiou os companheiros, inclusive a candidatura de Dilma.
É claro que há aí uma senda para o impeachment, daí o pânico.
Cardozo primeiro negou o encontro. Ao perceber que era inútil, admitiu o que seria uma conversa informal -- parte de suas atribuições, segundo disse.
O estranho é que a audiência não estava em sua agenda.
Mais estranhas ainda foram as, digamos, garantias que ele passou a Renault em sua conversa.
Anunciou uma reviravolta no caso da Lava-Jato logo depois do Carnaval, quando nomes graúdos da oposição também seriam tragados pela voragem.
Como o ministro sabe?
Eis um mistério.
Fato: depois da conversa de Cardozo com o advogado, a UTC, a OAS e a Camargo Corrêa recuaram de eventuais acordos com o Ministério Público.
Segundo um advogado confidenciou à revista VEJA, também se tratou de outro assunto naquela reunião: a garantia de que Lula estava entrando pessoalmente na, digamos, “jogada”.
Com que poder?
Não se sabe.
É evidente que conversa dessa natureza é inaceitável.
E, por isso, com justeza, Barbosa cobrou a cabeça de Cardozo -- a quem, diga-se, ninguém minimamente razoável reconhece credenciais para ocupar aquele cargo.
Vamos entender agora a segunda mensagem do ex-ministro do STF.
Escreveu ele: “pesquisem sobre uma controvertida decisão do TCU de jun/jul 2012, pouco antes do início do julgamento da Ap 470”. A Ação Penal 470 é a do mensalão.
Muita gente não entendeu.
Refresco a memória de vocês. O caso é um pouco complicado e eu o expliquei em detalhes aqui em meu blog no dia 20 de julho de 2012.
Para entender o caso, leitor, você tem de saber o que é “bonificação por volume”.
Trata-se do desconto que veículos de comunicação concedem a agências de publicidade, que costumam ficar com o dinheiro como parte de sua remuneração, em vez de devolvê-lo aos anunciantes.
Segundo a lei que havia no Brasil, no caso de estatais, as agências eram obrigadas a devolver esse desconto às empresas.
Pois bem: o TCU constatou que agências de publicidade, muito especialmente as de Marcos Valério, haviam embolsado, até 2005, ano em que explodiu o mensalão, R$ 106,2 milhões.
Agora, é preciso a gente se lembrar que Ana Arraes, a mãe do então lulista Eduardo Campos, foi conduzida ao TCU em setembro de 2011.
E foi ela a relatora justamente desse caso do dinheiro sequestrado pelas agências.
Ana contrariou o parecer técnico do tribunal e disse não ver nada de errado na retenção.
E o fez com base em uma lei proposta sabem por quem?
Pelo então deputado federal petista José Eduardo Cardozo, o mesmo que faz reuniões impróprias.
A “lei” inventada por Cardozo, a 12.232, mudava a regra: as agências poderiam ficar com o dinheiro do desconto e pronto!
Só foi sancionada pelo então presidente Lula em 2010.
Ocorre que o texto tornava legal a retenção daquele dinheiro também para contratos já encerrados.
Entenderam?
Cardozo assinou um projeto, sancionado de bom grado por Dom Lulone, que, na prática, tornava legal a ilegalidade praticada por Valério.
Uma lei não pode retroagir para punir ninguém, mas, para beneficiar, pode.
Ao tentar legalizar parte da dinheirama do mensalão, é evidente que o deputado Cardozo procurava influenciar a decisão dos ministros do Supremo no julgamento do mensalão.
Felizmente, a operação deu errado, e a cúpula do PT foi parar atrás das grades, ainda que já tenha saído de lá.
Mas a operação vergonhosa deixou sua marca.
A face cordial da truculência
O ministro José Eduardo Cardozo engana com aquela aparência de urbanidade.
É uma das faces cordiais da truculência do petismo.
Quem o conhece de perto não se surpreende que tenha feito reunião com o advogado de uma das empreiteiras para, digamos, dar uma direção política para o caso.
A sua atuação na investigação da formação de cartel para a compra de trens em São Paulo e Brasília chegou a ser examinada pela Comissão de Ética da Presidência da República.
Até ela!
O caso é escabroso.
Um documento apócrifo -- descobriu-se depois que o autor é ex-diretor da divisão de transportes da Siemens Everton Rheinheimer -- com acusações contra secretários do governo Geraldo Alckmin surgiu nas mãos do então deputado estadual do PT, Simão Pedro, hoje secretário de Serviços de Fernando Haddad.
O documento, em seguida, foi parar no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), presidido pelo petista Vinicius Carvalho -- que já havia sido subordinado de… Simão Pedro!
Dali, o papelucho foi parar nas mãos de Cardozo, que o repassou à Polícia Federal, que decidiu abrir um inquérito.
Ou por outra: o ministro funcionou como um repassador de denúncias apócrifas.
Pior: não existe protocolo de entrada do documento na PF.
A coisa assumiu ares de estado policial mesmo.
Nota: no dia 10, a Primeira Turma do STF arquivou o pedido feito pela Procuradoria-Geral da República para investigar o deputado federal Rodrigo Garcia (DEM-SP) e o ex-deputado federal José Aníbal (PSDB-SP), atualmente suplente de senador.
Eram dois dos acusados no documento apócrifo que Cardozo passou adiante.
Já fiz um levantamento neste blog demonstrando como Cardozo colaborou, por atos e omissões, para que as jornadas de junho de 2013 degenerassem em violência.
Inicialmente, o governo federal apostava que a bomba dos protestos explodiria no colo de Geraldo Alckmin.
Deu tudo errado.
Não só isso: no Ministério da Justiça, Cardozo se comportou como um chefe de facção, hostilizando permanentemente a polícia de São Paulo.
Reportagem de setembro do ano passado da VEJA informa que, no dia 5 daquele mês, a mando de Cardozo, Paulo Abrão, secretário nacional de Justiça, encontrou-se com o delegado Leandro Daiello, superintendente da Polícia Federal, para colher informações sobre o Inquérito 1209/2012, que apurou suspeitas de corrupção no Ministério do Meio Ambiente quando Marina Silva era ministra, em benefícios que teriam sido concedidos à empresa Natural Source International.
Entre os investigados, estava o empresário Guilherme Leal, que apoiava a candidata do PSB à Presidência.
Atenção!
O inquérito já tinha sido arquivado por falta de provas, a pedido do Ministério Público.
Não custa lembrar: no começo de setembro, Marina aparecia à frente de Dilma em simulações de segundo turno.
Abrão disse que estava apenas querendo saber em que pé estava a coisa porque “uma revista” -- ??? -- estaria fazendo uma reportagem a respeito e o havia procurado.
Revista???
Abrão trabalha para a publicação?
É “foca” do veículo?
Está na folha de pagamentos?
Se apenas quisesse informações, por que foi pessoalmente à sede da PF?
Não bastava um ofício?
Teve de manter um encontro que nem estava na agenda do superintendente da PF?
Leiam o farto material que a revista VEJA traz das alucinações em curso nos bastidores do governo.
Com a morte de Márcio Thomaz Bastos, foi-se, de fato, o grande mago das operações para inocentar o PT.
Bastos servia ao regime exemplarmente, mas tinha uma qualidade que até os adversários reconhecem: fazia a defesa de suas causas e clientes sem procurar incriminar inocentes ou fazer vítimas “do outro lado”.
Está morto.
Sobrou José Eduardo Cardozo.
Que, obviamente, jamais será Bastos na vida não porque lhe sobrem qualidades, mas porque lhe faltam.