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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

A ZELITE DO ASFALTO
17/03/2015 - Heraldo Palmeira*

O publicitário Carlito Maia, acima de tudo um homem de oposição, fundador do PT, era um frasista genial.

São dele “OPTei” e “Brasil? Fraude explica”.

Premonitório, talvez antevendo o que viria, declarou que deixaria o partido quando este chegasse ao poder.


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Morreu meses antes.

Ainda na manhã do dia 15 de março, o governo já preparava sua nota oficial para veicular no início da noite.

Em tom de triunfo, afirmaria que a manifestação popular que se montava tinha dimensão para não ser ignorada, mas não tinha dimensão para amedrontar. E que carecia de foco.

Naquela altura, a Polícia Militar informava que havia nove mil pessoas ao redor do Museu de Arte de São Paulo (MASP), local marcado para a concentração dos paulistanos.

Apesar da chuva, os números oficiais foram subindo assustadoramente: 200 mil, 580 mil…

Quando a polícia reconheceu um milhão de pessoas na região da avenida Paulista, as catracas do metrô registravam um fluxo de 400 pessoas por minuto ainda a caminho.

Apenas duas ocorrências foram registradas: a prisão de um grupo de 20 baderneiros que pretendiam explodir rojões, e a implosão do contador de gente do Datafolha, que entupiu com 210 mil pessoas.

Nas ruas contíguas, uma cidade acostumada à agressividade do trânsito viu com encantamento carros e pessoas dividindo o asfalto sem qualquer estresse ou risco.

Em outros bairros, caminhoneiros e motociclistas formaram seus grupos e vieram engrossar a sinfonia da multidão, que tocou afinada também em diversas cidades do mundo.

As notícias foram piorando para o governo. A massa humana que foi às ruas espontaneamente logo revelou seu foco claríssimo antigoverno, antiDilma, antiPT e anticorrupção.

Algo muito diferente do que ocorreu na sexta-feira 13, onde sobraram suspeitas de que militantes de aluguel e até haitianos estranhamente importados pelo governo receberam de R$ 35 a R$ 50, mais transporte e comida, para andar como zumbis vestidos de vermelho pelas ruas, como pigmeus do bulevar carregando o estandarte do sanatório geral.

Considerando que os números oficiais são sempre conservadores fora do Carnaval, é razoável contar quase três milhões de pessoas na farra cívica.

Um Galo da Madrugada com um naco do Cordão do Bola Preta ou vice-versa.

Um espetáculo extraordinário sem nenhum balão, nenhum cartaz, nenhuma indumentária, nenhum parangolé, nenhum carro de som com siglas ou discursos oportunistas de partidos, centrais sindicais, entidades metafísicas e outros bichos da espécie.

Na Paulista, a massa criou uma novidade sensacional: ao invés de se deslocar para outros pontos da cidade, ficou circulando pela avenida.

Ia até o final de um lado e voltava pelo outro, repetindo aquelas voltas circulares que se dava nas pracinhas do interior antigamente.

Cansou menos caminhando num lugar plano, valorizou a concentração, facilitou o trabalho da segurança e manteve intensa a energia cívica.

Apenas pessoas comuns se expressando por meio de roupas, acessórios, cartazes caseiros e palavras de ordem autênticas.

Famílias inteiras vestidas e vestindo o país de verde e amarelo.

Uma clara demonstração que a tal zelite é gigante e formada por todos os brasileiros decentes -- gente de todas as gerações e classes sociais que demonstrou de forma superlativa quem são os verdadeiros donos das ruas do país.

Cidadãos que não suportam mais o império da mentira e do embuste infestado de cretinos liberticidas.

Que não suportam mais tanta incompetência e obscurantismo.

Que não suportam mais ouvir falar de “golpismo”, de “terceiro turno”, de “legitimidade” por bocas desonestas, covardes e ilegítimas que golpeiam as instituições, assaltam os cofres públicos, semeiam crises intermináveis e protegem seus bandidos de estimação.

No final do dia, mais um reforço à impaciência da maioria decente do Brasil: dois ministros ousando filosofar e proferindo sermões, falando de democracia sem antes higienizar as próprias bocas.

Sem perder a pose de quem acha que o povo nas ruas é resultado de algum tipo de benesse desse governo apodrecido que representam.

Terminaram brindados com mais uma sinfonia de panelas em diversos pontos do país, certamente ouvida de forma aguda no planeta fora de órbita onde vivem.

Um réquiem que tem nas vaias os sons graves da mesma partitura.

Num dia histórico, o país honrou Carlito Maia.

Imaginei o velho publicitário escrevendo mais uma de suas frases perfeitas: OPTei por não ser corruPTo. Tanta fraude explica.


...

*Heraldo Palmeira é documentarista e produtor musical.

  

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