Se correr o bicho pega 23/03/2015
- Ferreira Gullart - Folha de S.Paulo
Nestas últimas semanas -- antes das manifestações do dia 15 -- a sensação que tive, como espectador da atual política brasileira, foi de estar assistindo a uma chanchada.
Por exemplo, não poderia definir de outro modo o depoimento de José Sergio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras, na CPI da Câmara para investigar os envolvidos na operação Lava Jato.
Antes dele, depôs Eduardo Cunha, do PMDB, que se prontificara a ser interrogado na mesma CPI.
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Falou muito à vontade, dizendo-se vítima de perseguição por parte do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Não apresentou nenhuma prova do que afirmava, mas contou com o apoio unânime dos integrantes da comissão, sem distinção de partidos: do PSDB ao PMDB, do PT ao PSOL, todos teceram elogios ao deputado que é, por coincidência, presidente da Câmara de Deputados.
Segundo alguns deles, o objetivo de Janot seria desmoralizar o Congresso nacional. Por que razão, ninguém sabe.
Mas hilariante mesmo foi o depoimento de Gabrielli, que começou tecendo intermináveis louvores à Petrobras, que estaria no auge de sua prosperidade.
Disse isso de cara limpa, muito embora todos saibam que o valor da empresa tem caído no mercado, e sua credibilidade vem sofrendo graves perdas no plano nacional e internacional.
A impressão que tive, ao ouvi-lo, foi a de que se referia a uma outra empresa, por todos desconhecida.
Ele falava e eu mal acreditava no que ouvia, especialmente pela maneira desinibida com que afirmava coisas que nenhuma relação tinham com o que diariamente informa a imprensa e afirmam os especialistas na matéria.
A única explicação para tal atitude surrealista só pode ser uma firme disposição de desconhecer a realidade e enganar abertamente a opinião pública.
Sucede que, àquela altura do depoimento, ele ainda não havia atingido o ápice de seu descompromisso com a verdade dos fatos.
Parece-me que o atingiu quando lhe perguntaram se, como presidente da Petrobras, nada sabia das concorrências fraudadas e das propinas que eram divididas entre altos funcionários da empresa e representantes dos partidos políticos ligados ao governo, como o PT, o PMBD e o PP.
Ele sorriu ironicamente e garantiu que, na estatal, não se sabia disso –mesmo porque a tal corrupção sistêmica, apontada pelos delatores, nunca aconteceu.
E sabem por que nunca houve? Porque a fiscalização, feita por um órgão da própria Petrobras e por órgãos internacionais de alta eficiência, nunca captou nenhum sinal de que estivessem ocorrendo falcatruas na empresa.
Ora, se tais organizações nada detectaram é porque nada havia.
Eu estava perplexo com o que ele afirmava e ainda mais pelo à vontade como o fazia.
Conforme apurou a operação Lava Jato, graças à delação de Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco, centenas de milhões de reais foram distribuídas como propinas, inclusive a representantes de partidos como João Vaccari Neto, tesoureiro do PT, ou seja, do mesmo partido de Gabrielli.
Só Barusco devolveu mais de R$ 182 milhões roubados da Petrobras, mas, de acordo com Gabrielli, se a fiscalização nada captou, nada foi roubado.
A chanchada, porém, não acaba aí. Na sexta-feira, dia 13, isto é, na semana passada, a CUT decidiu mobilizar os trabalhadores para manifestações públicas, em todo o país, em defesa da Petrobras.
Se realmente fosse isso, teria de protestar contra aqueles que a saquearam, ou seja, os funcionários nomeados e mantidos por Lula e os partidos que compõem o governo petista.
Ledo engano: a manifestação foi contra os que denunciaram a corrupção, porque dizem, como Gabrielli, Lula e Dilma, que tudo foi inventado para criar condições de privatizá-la.
Como se não bastasse, a CUT dizia protestar contra o ajuste fiscal, que prejudica os trabalhadores, mas, ao mesmo tempo, defende Dilma, que autorizou o ajuste.
É chanchada ou não é? Dilma, para se eleger, prometeu uma coisa e, eleita, faz o contrário. Lula, que patrocinou o saque à Petrobras, faz comício para defendê-la.
Dilma, que negava a existência da corrupção, passou a se dizer responsável por sua apuração.
Esse pessoal se esqueceu de que é mais fácil pegar um mentiroso do que um coxo.