E se a Apple fosse uma estatal? 24/04/2015
- Marcos Troyjo*
Divulgação contábil e lançamento de um relógio multifuncional. Eventos desconexos marcam nestes dias o desempenho de gigantes corporativos no Brasil e nos EUA. Muito revelam da escala de valores e modelos de inserção global dos dois países.
No caso brasileiro, apareceu o balanço auditado da Petrobras que dimensiona corrupção e má gestão. No caso americano, prepara-se a chegada do "Apple Watch", primeiro produto de tecnologia "vestível" para o qual a empresa montou a maior campanha de marketing da sua história.
Petrobras e Apple numa moldura comparativa parece despropositado. Nem tanto. Protagonistas em cada economia, ambas são estratégicas para os dois países.
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A primeira responde à tradicional noção dos brasileiros (e latino-americanos) de que seu futuro assenta-se em riquezas naturais, cuja gestão soberana cabe ao Estado. A segunda reside essencialmente no caos perene da inovação.
Hoje o valor de mercado da Petrobras representa 3,5% do PIB brasileiro. Sua performance afeta toda a cadeia energético-industrial, da engenharia naval ao menor elo na rede de fornecedores. A empresa é o eixo da política de substituição de importações nos últimos 12 anos.
Há, claro, muito mais no petróleo do que mero caráter de "commodity". A Petrobras é o maior investidor brasileiro em pesquisa & desenvolvimento. Detém valiosos ativos em nanotecnologia ou robótica.
O Brasil ancora parte importante do futuro de sua educação na perspectiva da riqueza petrolífera. A Petrobras está no coração disso tudo.
Já a Apple equivale a 5% do PIB americano -- e 0,15% do produto global. Foi pioneira em compreender que o principal filão não estava nos enormes computadores mainframe. Direcionou a computação ao indivíduo.
Reconfigurou o design para expandir limites entre funcionalidade e estilo. Desmaterializou a indústria da música com o iPod e o iTunes. Redefiniu telefonia e computadores de mão com o iPhone.
Dividiu águas para a mídia jornalística, entretenimento e ensino com o iPad. Ultrapassou a fronteira entre hardware e software, implementando o "smartware".
Por importante que seja, o petróleo não é mais estruturante do futuro do que tecnologias da informação. Já se disse que um ataque realmente devastador nos EUA não deveria ser endereçado ao Pentágono, mas ao Vale do Silício.
Já imaginaram se o planejamento da Apple Store fosse entregue a apadrinhado de coalizão política que sustenta o titular da Casa Branca?
E se a divisão de computação em nuvem coubesse à "reserva pessoal" de outro cacique de Washington?
Ou se contratos com fornecedores independentes dos 300 mil novos aplicativos desenvolvidos para o Apple Watch fossem inflados de modo a fazer caixa para políticos?
A Petrobras é a maior empresa brasileira. A Apple, a maior dos EUA -- e do mundo.
Tentador projetar como seria uma Petrobras libertada de ingerências políticas.
Mais divertido ainda pensar no que aconteceria com a Apple se, dado o caráter "estratégico", fosse uma estatal.
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*Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas.