Max Weber distinguiu a "ética da convicção" da "ética da responsabilidade".
Na sabatina de terça, Luiz Edson Fachin invocou a segunda para envernizar uma peculiar "ética da conveniência" -- e passou 11 horas declarando sua adoração pelo que criticou ao longo da vida.
O jurista atacou o direito de propriedade em 1986. Mas vale a pena discutir 1986?
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O jurista não aprecia a proteção especial à família nuclear. E daí?
A diversidade de opiniões informadas enriquece o STF. Conversa inútil.
Nenhum senador desviou-se dos rumos óbvios para inquiri-lo sobre o que interessa: a fonte das leis.
Fachin acredita que os juízes têm a prerrogativa de inventar a lei.
Se seu nome for aprovado em plenário, os senadores estarão assinando um termo de rendição do Poder Legislativo.
Fachin é da corrente de pensamento de outro Luís, Roberto Barroso, que já está no STF.
Eles são expoentes da vertente radical do neoconstitucionalismo, a árvore teórica de um ativismo judicial ilimitado.
Nesse campo ideológico, a norma formal deve ceder lugar à norma axiológica, isto é, a valores morais genéricos que serviriam de régua na interpretação dos códigos legais.
A Constituição proclama as metas da igualdade, do bem-estar e da justiça?
Sob a ótica deles, é o suficiente para varrer a letra das leis pelo sopro purificador do juiz-ativista.
Tudo que está escrito pode ser lido pelo avesso -- eis a mensagem de Luís e Luiz.
Na "nova dogmática da interpretação constitucional" de Barroso, a filtragem do Direito escorrega da norma objetiva para o terreno do arbítrio subjetivo.
A Constituição abriga o princípio da igualdade perante a lei?
Basta reinterpretá-la à luz do imperativo de justiça histórica -- e concluir pela recepção de leis raciais na ordem jurídica nacional.
A letra constitucional proíbe a discriminação de cor no acesso à educação superior?
Basta atribuir um significado paradoxal à palavra -- e explicar que a meta axiológica da igualdade demanda a "discriminação positiva".
O neoconstitucionalismo nasceu no pós-guerra como reação progressista ao formalismo excludente da ordem liberal.
"A lei tem que ser legítima, alinhando-se aos princípios constitucionais!", gritaram os juristas indignados com o novelo de artimanhas de uma legalidade meticulosamente construída para negar direitos.
Contudo, nas margens dessa revolta modernizante, surgiu uma escola jacobina que prega a reforma social pelo Direito e, não por acaso, repete incessantemente o mantra da "carência de legitimidade" dos atuais parlamentos.
Os fundadores da arquitetura moderna queriam "mudar a cidade para transformar a sociedade".
Os juristas jacobinos cultivam o mesmo sonho exagerado, mas escolheram a ferramenta do Direito, o que os coloca em rota de colisão com o poder encarregado de fazer as leis.
Fachin não é petista, a não ser num sentido puramente circunstancial.
Mais que um partido, precisa de alianças com o "povo organizado": movimentos sociais, entidades corporativas, ONGs.
A reengenharia da ordem jurídica, por cima dos representantes eleitos, deve ser vista como produto da vontade da sociedade civil.
Fachin compartilha com o PT o objetivo de anular os direitos do Congresso, isto é, do "povo desorganizado".
"Uma Constituição se faz Constituição no desenrolar de um processo constituinte material de índole permanente", pelo recurso a "ações afirmativas" e pelo "resgate de dívidas históricas", escreveu Fachin em 2011.
A "revolução permanente" do Direito, pelo ativismo do jurista iluminado -- eis o núcleo do seu pensamento.
Numa sabatina intelectualmente preguiçosa, os senadores nem mesmo roçaram no tema relevante.
Família? Propriedade?
Não: Fachin quer transferir para "os juristas que têm lado" o mandato dos deputados e senadores.
Alvaro Dias tem razão numa coisa: essa decisão "não é uma questão partidária".
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*Doutor em geografia humana, é especialista em política internacional. Escreveu, entre outros livros, "Gota de Sangue - História do Pensamento Racial" e "O Leviatã Desafiado".