O Brasil sofreu grave derrota na noite de festiva irresponsabilidade em que a Câmara dos Deputados aprovou –- sem se quer indagar o seu custo –- a restrição à aplicação do "fator previdenciário".
Trata-se de um mecanismo razoável para estabelecer um mínimo de equidade entre o valor da aposentadoria do trabalhador e o valor que ele acumulou durante a sua vida de trabalho ativo.
A fórmula é complexa e engenhosa, mas seu resultado é simples: quem contribui por mais tempo e se aposenta mais tarde recebe mais do que quem contribui por menos tempo e se aposenta mais cedo.
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Numa sociedade civilizada a solução "justa" do problema da aposentadoria e do suporte da garantia de segurança aos idosos está muito longe de ser trivial.
Não foi encontrada até agora, a despeito das experiências nos mais variados países.
Aliás, há séria dúvida sobre se ela existe. Sobre o que não há dúvida, é que quando mal resolvido, pode levar à falência a sociedade. O Brasil é um bom candidato...
É preciso insistir e insistir. O Estado não cria recursos para pagar a aposentadoria de R$ 100 do Paulo.
Simplesmente transfere-lhe parte dos R$ 110 cobrados como contribuição do Pedro e "consome" os R$ 10 pelos serviços prestados.
Por isso, para fechar a conta, para dar R$ 100 ao Paulo é preciso tirar R$ 110 do Pedro.
Podemos, sim, escolher os mecanismos e a dimensão das transferências, mas como em tudo na vida, as escolhas têm consequências que, infelizmente, costumam chegar tarde demais.
Não importa quais sejam nossos desejos ou quanto seja a solidariedade que nos sensibiliza.
A sociedade (todos os que ainda não trabalham, os que trabalham e os que já trabalharam) é constrangida por fatos físicos incontornáveis.
Para sobreviver e crescer, ela tem que estabelecer uma relação harmoniosa entre o que deseja consumir e o que deve investir se quiser continuar a fazê-lo.
A amarga derrota pode deixar alguns benefícios:
1º) vai obrigar o Brasil a repensar seu problema previdenciário que está muito mal resolvido: uma verdadeira bomba de nêutrons que poderá levar ao empobrecimento geral (de quem trabalha e de quem já está aposentado) num futuro não muito distante;
2º) talvez dê um alívio para o governo no curto prazo, pois poderá induzir um pequeno retardo nos pedidos de aposentadoria, o que será bem-vindo para o "ajuste" fiscal e
3º) lembrar ao Congresso que é inconstitucional criar novas despesas e se eximir de propor o aumento de tributos para pagá-las.
Com alguma arte e inteligência, talvez possamos fazer do limão uma limonada.
Mas o governo precisa acelerar o passo porque armadilhas para anular os efeitos do passado recente nos espreitam.
...
*Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
de São Paulo.