Qual ajuste? 27/05/2015
- Blog de Rodrigo Constantino - Veja.com
Quer minha cabeça numa bandeja, Dilma?
Medidas ligadas ao ajuste fiscal foram aprovadas ontem, e o governo celebra. Mas antes de debater o tamanho do ajuste, seria o caso de perguntar: qual ajuste?
O governo fala em corte de R$ 70 bilhões, de “contingenciamento” das despesas, e a imprensa simplesmente replica o discurso.
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Mas há mesmo corte dos gastos?
Se o leitor estimar no seu orçamento para o ano seguinte um aumento de despesas, e depois cortar em cima das estimativas, mas ainda levando a um aumento de despesas em relação ao ano anterior, faria sentido falar em corte de gastos?
Em sua coluna de hoje na Folha, Alexandre Schwartsman mostra justamente os números do “ajuste fiscal”, concluindo que não é bem um corte de gastos que está sendo proposto.
O tal “ajuste”, uma vez mais, recai sobre o “contribuinte”, mas não corta efetivamente os gastos públicos, o custeio da máquina, as regalias dos políticos.
O anúncio do corte, feito dessa forma, não passa de um truque, de uma mágica orçamentária, que jamais seria aceita em se tratando de famílias e indivíduos. Mas o governo pode tudo...
Como o governo precisou rever para baixo sua estimativa de arrecadação, por conta da crise econômica, foi forçado a reduzir as estimativas de gastos também, para manter o resultado final do “superávit” (outro truque boboca é usar o primário, antes das despesas com juros que, pasmem!, existem).
Mas mesmo após o “enorme esforço” de “corte” nos gastos (nas estimativas), o resultado que temos é um aumento de despesas em relação ao ano anterior:
Em outras palavras, mesmo que sejam cumpridas todas as promessas de “corte” de gastos anunciadas na sexta-feira, as despesas federais aumentariam em R$ 75 bilhões entre 2014 e 2015, ou, se preferirem, de 18,6% para 18,9% do PIB.
Curioso corte que implica, de fato, elevação do gasto.
Já a receita federal subiria de R$ 1,221 trilhão (22,1% do PIB) no ano passado para R$ 1,372 trilhão (23,5% do PIB) neste ano.
Em português, um alívio depois de tantos números, o ajuste fiscal se faz mais uma vez nas costas do contribuinte, chamado a cacifar R$ 151 bilhões (1,4% do PIB) a mais do que pagou no ano passado.
É mais um aumento de carga tributária, tornando o sistema ainda mais pesado e complexo, com consequências negativas óbvias para nossa capacidade de crescimento de longo prazo.
E há ainda quem não entenda o motivo de nosso desempenho medíocre.
Quando o jogador de pôquer não consegue identificar o otário à mesa, o pato é ele.
Ao observarmos por entre os jogos de luz e sombra do ajuste fiscal, descobrimos que os patos somos nós.
E que patos!
Sempre pagando mais impostos para não termos nada em troca.
Ou melhor, para termos esses serviços públicos caóticos e assistirmos a um show de infindáveis escândalos de corrupção.
Com patinhos tão otários, quem precisa efetivamente se esforçar para “cortar na carne”, para reduzir de fato os gastos públicos?
Só um governo muito ético e liberal mesmo, algo que, convenhamos, passou mais longe do Brasil do que Plutão da Terra.
O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, ironizou o ajuste fiscal do governo e perguntou se o ministro Joaquim Levy quer logo a cabeça dos empresários.
A fala foi resultado da insatisfação de Levy com o tamanho do ajuste.
“Ele conseguiu R$ 70 bi de corte, queria mais? Quer nosso pescoço agora?”, questionou Robson Andrade.
No entanto, o dirigente não se alinha ao ministro do Planejamento, Nelson Barbosa.
Na queda de braço interna do governo, Levy está pressionando por um ajuste focado em cortes de despesas, enquanto Barbosa -- em sintonia com o PT e com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva -- defende que também seja incluído um aumento de impostos, centrado nos mais ricos (fortunas, herança, propriedades etc), para poupar investimentos e garantir sobra para o social.
— Eu sou mais da turma do corte de gastos, mas não de investimentos. De despesas (correntes). Aumentar impostos, ninguém aguenta mais. A indústria e a sociedade não aguentam mais pagar impostos. Chega!
O presidente da CNI está certo quando reclama de mais impostos e diz que o foco deveria ser o corte das despesas, mas cai na falácia de acreditar que esse ajuste anunciado é tão grande assim.
Como vimos acima, não é. É apenas um truque, pois os gastos públicos continuarão aumentando, junto com os impostos.
É um modelo perverso, que pune o empreendedor, aquele que cria riquezas e empregos para o país.
Portanto, seria o caso de perguntar ao governo Dilma, não pelo “grande ajuste fiscal” de R$ 70 bilhões, mas sim pelo inexistente “ajuste fiscal” que significa, na prática, só mais impostos: quer logo nosso pescoço numa bandeja?
Aproveita que a população brasileira é formada por patos domesticados, incapazes de compreender que o “corte” de gastos do governo significa, no fundo, um aumento de gastos a ser bancado com o suor de seu próprio trabalho.