Quando a lei e a vida não valem nada 15/06/2015
- RODOLFO RIZZOTTO*
O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) adiou, para 1º de janeiro de 2016, a obrigatoriedade dos exames toxicológicos dos motoristas profissionais na renovação da carteira nas categorias C, D e E, que entraria em vigor na segunda-feira, dia 1º de junho.
A medida é ilegal, pois altera, com uma simples resolução, o prazo que havia sido estabelecido pela Lei 13.103/15, revelando a irresponsabilidade do órgão em relação à segurança nas rodovias.
As consequências desse adiamento são novos acidente e vítimas, porque não existe categoria que faça mais uso de drogas no exercício da sua profissão que a dos caminhoneiros.
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São também os que mais morrem e, provavelmente, os que mais matam inocentes. Há centenas de estudos que comprovam o uso de drogas por esses profissionais.
No transporte de perecíveis, o índice chega a 50%. Em 2014, foram 56.343 acidentes nas rodovias federais envolvendo caminhões.
São mais de 100 mil acidentes por ano, somando as estaduais, com gravidade muito maior em função do peso e da dimensão dos veículos.
Vale lembrar que este é o quarto adiamento imposto pelo Contran, o que significa que milhares de vidas poderiam ter sido poupadas nesse período em que a lei deveria estar em vigor.
O exame toxicológico de larga janela de detecção permite identificar com a coleta de cabelo ou queratina o uso de drogas nos 90 dias anteriores, o que contribui para a prevenção, pois o motorista sabe que precisará deixar as drogas 90 dias antes de renovar a CNH.
A "tese" defendida por algumas autoridades é de que o exame não identifica "risco imediato de o motorista profissional dirigir sob influência de drogas, nem proporciona medida de intervenção imediata".
O objetivo é punir quem estiver dirigindo sob o efeito de drogas e não evitar que o profissional que faz uso de drogas pegue na direção.
Estes esquecem que, quando o caminhoneiro perde a CNH por esta razão, ele fica sem condições de trabalhar por um ano.
O exame de larga janela, por sua vez, de caráter preventivo, estimula o caminhoneiro a deixar as drogas antes de ser penalizado.
O combate ao uso de drogas por parte de quem dirige veículos está previsto desde 1998 no Código de Trânsito Brasileiro (CBT) em seu artigo 165.
Quando finalmente surge uma iniciativa para controlá-lo, o Contran, sob o comando do diretor geral do Denatran, a protela sob as mais injustificadas razões.
Mas a tese agrada importadores de equipamentos que identificam na saliva o uso de drogas, laboratórios que não têm certificação para realizar os exames, além de atender os interesses dos eternos exploradores dos caminhoneiros: os donos da carga e transportadores irresponsáveis.
Atropelar a legislação é rotina no atual Denatran, pois, além de adiar para o ano que vem os exames previstos em lei para junho de 2015, o seu diretor legitimou também a possibilidade de dois motoristas se revezarem por 72 horas ao volante, usando o pequeno leito que fica atrás do banco do motorista como local de descanso.
Local que não oferece as condições para isso e que não dispõe de cinto de segurança, cujo uso é obrigatório pelo CTB.
Por que o diretor do Denatran não registrou na ata do Contran a incoerência desse artigo da nova lei?
Com o adiamento dos exames toxicológicos, os caminhoneiros drogados continuarão nas estradas.
Já os que trabalham sem drogas, que ainda são a maioria, vão sofrer com a concorrência desleal dos que usam, que terão direito a mais sete meses de impunidade.
Autoridades podem adiar a entrada em vigor da Lei, mas não as mortes decorrentes da sua irresponsabilidade.
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*Coordenador do programa SOS Estradas e do estudo "As drogas e os motoristas profissionais"