Janot não terá como se esconder 18/06/2015
- Blog de Reinaldo Azevedo - Veja.com
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, poderia estar numa situação muito fácil. E, no entanto, está numa situação difícil.
Seria fácil caso tivesse se limitado a ler o que está na Constituição, evitando a interpretação exótica. Como não a evitou...
Vamos ver.
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Júlio Marcelo, que pertence ao mesmo Ministério Público presidido por Janot e que é procurador da República junto ao TCU, fez um relatório devastador sobre as contas do governo federal em 2014.
Além das tais pedaladas fiscais e de manobras contábeis as mais diversas, aponta que a presidente Dilma assinou três decretos autorizando o Tesouro a contrair empréstimos sem o aval do Congresso.
Se o TCU tivesse votado o relatório ontem, ele teria sido aprovado, e, assim, o tribunal teria recomendado ao Congresso que rejeitasse as contas.
É grave?
É grave!
Mas os ministros deram uma piscada e decidiram adiar por 30 dias, cobrando que Dilma se pronuncie pessoalmente sobre o assunto.
Atenção, meus caros!
Isso nada tem a ver com a praia de Rodrigo Janot, pouco importa a decisão do TCU ou do Congresso.
Vamos ver.
Ao se manifestar perante o Supremo sobre a possibilidade de a presidente Dilma ser responsabilizada pelos descalabros da Petrobras, Janot argumentou que o Artigo 86 da Constituição impede que a presidente seja responsabilizada, no curso deste mandato, por atos cometidos no mandato anterior.
Foi a leitura que ele fez do parágrafo 4º de tal artigo, onde se lê:
“§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.
Parece evidente que a interpretação dada por Janot é imprópria.
Até porque o texto constitucional fala em “exercício de suas funções”, não em “exercício do mandato”.
A função de Dilma em 2015 é a de presidente, a mesma que ela exerce desde 2011.
Caso Janot mantenha a sua leitura, há de dizer que as pedaladas fiscais e os empréstimos irregularmente contraídos se deram em 2014; logo, não teriam nenhuma relação com este mandato.
Mas esperem: fiquemos atentos a um trecho do relatório de Júlio Marcelo.
Diz ele:
“O que a nação assistiu perplexa foi uma verdadeira política de irresponsabilidade fiscal, marcada pela deformação de regras para favorecer os interesses da chefe do Executivo em ano eleitoral”.
Ora, essas palavras põem a nu a leitura ridícula feita por Janot.
Se o procurador-geral estivesse certo, um presidente da República poderia cometer crimes num mandato para garantir o próximo e jamais poderia ser responsabilizado.
Júlio Marcelo diz que Dilma fez precisamente isso.
Será que o parlamentar constituinte, ao redigir e aprovar aquele Parágrafo 4º, estava dando carta branca ao chefe do Executivo para fazer o que lhe desse na telha?
De resto, o texto constitucional é anterior ao estatuto da reeleição.
Sim, senhores!
O representante do MP no TCU está dizendo que Dilma cometeu crime de responsabilidade, infringindo a Alínea 4 do Artigo 10 e a Alínea 3 do Artigo 11.
Janot tem instrumentos na mão para oferecer, se quiser, uma denúncia contra Dilma.
Mas não é só isso.
A oposição lhe encaminhou um pedido cobrando a abertura de ação penal contra a presidente, aí com base dos Artigos 299 e 359 “a” e “c” do Código Penal, que tratam de crimes contra as finanças públicas.
Como já expliquei aqui, ele pode negar que isso tenha acontecido -- e isso implica, de novo, jogar no lixo o relatório de um membro do próprio MP --, encaminhar uma denúncia ao STF, que teria de ser remetida à Câmara para exame, ou solicitar, ao menos, uma abertura de inquérito.
Se, nos episódios do petrolão, a Procuradoria-Geral da República conseguiu, ainda que com argumentos ruins, livrar a cara de Dilma, no caso das pedaladas fiscais, a coisa já fica mais difícil.
Ainda que Janot insistisse naquela mesma leitura exótica, não teria por quê, dadas as evidências apontadas por um membro do próprio MP, recusar ao menos a abertura de inquérito -- o que é, segundo jurisprudência do Supremo, constitucional, sim.
Na história do petrolão, está sendo possível limpar a barra de Dilma com o glacê da retórica jacobina contra alguns acusados.
No caso da lambança fiscal, isso é impossível.
Não há compensações a oferecer.
Se Janot mantiver a sua postura, só restará mesmo a advocacia da impunidade.