Viver é muito bom e perigoso 24/06/2015
- Tostão* -Folha de S.Paulo
Discute-se muito se a queda do futebol brasileiro acontece mais pela ausência de craques (Neymar é a exceção) ou se é mais pela ineficiência dos treinadores ao longo dos tempos. Penso que são as duas coisas.
É preciso separar a seleção do futebol que se joga no país. É duro ver, no Brasileirão, tantos chutões, um volante de cada lado sem habilidade, tantos passes errados e tantos conceitos equivocados dos treinadores.
O futebol brasileiro foi, aos poucos, subtraído e corrompido, dentro e fora de campo. Para recuperar, é preciso também tempo. Não será com um dirigente ou com um técnico revolucionário.
PUBLICIDADE
Assim como é necessário vacinar a maioria absoluta das pessoas, de tempos em tempos, para evitar o retorno de uma doença infecciosa, é preciso que haja uma limpeza na direção do futebol e que quase todos os treinadores tirem a máscara da arrogância e do corporativismo.
Os vícios acumulados, os chavões e os conceitos que mudam a cada semana impregnaram nosso futebol. Se o Brasil for campeão da Copa América, vão dizer que o time é melhor sem Neymar.
As análises das partidas são sempre a partir dos resultados e das condutas dos treinadores. Isso supervaloriza os técnicos e cria a ilusão de que só um novo treinador vai mudar o time.
Dirigentes, como o presidente do Cruzeiro, costumam justificar a troca de técnicos com o chavão de que ele não consegue tirar mais nada dos jogadores.
A seleção é diferente. Quase todos os atletas atuam nas grandes equipes da Europa e são dirigidos por técnicos experientes e de muito prestígio.
Nossos defensores estão entre os melhores do mundo. Dá para ter um time melhor que o atual, mas não excepcional, por falta de mais craques do meio para frente.
Não escolheria Dunga para ser técnico, mas ele faz o que a maioria faz.
Dunga, Felipão, o colombiano Carlos Osorio, Mourinho e a maioria dos técnicos costumam colocar mais um zagueiro e/ou um volante para segurar um resultado.
O Brasil não precisava fazer isso contra a Venezuela, porém, o que me incomodou mais foi Dunga dizer que quis anular a única jogada do adversário, a bola aérea.
A Venezuela tentou jogar, durante toda a partida, trocando passes, como se fosse uma grande seleção. Raramente, jogou a bola na área, mesmo tendo um centroavante alto e bom cabeceador.
Hoje, veremos um confronto de times opostos.
O Uruguai, contra fortes adversários, marca com oito ou nove em seu campo e tenta ganhar o jogo em um lance isolado.
Não será surpresa se vencer, ainda mais que usa muito o jogo aéreo, contra a baixa defesa chilena.
Já o Chile marca por pressão e tem sempre seis ou sete no outro campo, mesmo contra as melhores seleções. É uma seleção diferente de todas as outras.
O time ideal teria de, em uma mesma partida, variar de um estilo a outro, de acordo com o momento.
Gostaria de ver uma grande seleção, com ótimos, rápidos e altos zagueiros, como possui o Brasil, atuar no estilo do Chile.
Seria mais emocionante, mais prazeroso, na maioria das vezes, mais eficiente e também mais arriscado. "Viver é perigoso" (João Guimarães Rosa).
...
*Médico e ex-jogador, é um dos heróis da conquista da Copa de 1970. Afastou-se dos campos devido a um problema de descolamento da retina.