É bem pior que se imagina 21/07/2015
- Blog de Geraldo Samor - Veja.com
Um artigo de nove páginas escrito por três economistas com trânsito junto à academia, empresários e políticos está causando choque e depressão em quem o lê.
Em “O ajuste inevitável,” Mansueto Almeida Jr., Marcos Lisboa e Samuel Pessôa tentam quantificar, pela primeira vez, o aumento do gasto público já contratado para os próximos 15 anos.
Até 2030 -- ou seja, antes que um brasileiro nascendo este ano possa votar -- o gasto anual do Estado brasileiro terá subido 300 bilhões de reais, uma aumento de 20 bilhões de reais por ano.
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Para neutralizar este aumento de despesas, será preciso criar um imposto equivalente a uma nova CPMF a cada mandato presidencial de quatro anos (entre este ano e 2030).
Para ficar claro: não se trata de renovar a CPMF a cada quatro anos, e sim de cobrar uma nova CPMF em cima da anterior, sucessivamente, a cada novo governo.
Este aumento de 300 bilhões é a soma apenas dos aumentos nos gastos com previdência, educação e saúde já contratados por conta da legislação vigente.
Mas antes disso, há o desafio atual: para estabilizar o tamanho da dívida pública como percentual do PIB, o Brasil tem que transformar o rombo de 32 bilhões de reais no ano passado em um superávit de 3% do PIB (quase 170 bilhões de reais).
Isto significa que a sociedade terá que achar 200 bilhões de reais por ano para passar do "vermelho augustín" para o "azul levy".
E, até 2030, achar aqueles outros 300 bilhões por ano.
Em outras palavras, se a cultura de "taxar e gastar" não for mudada, daqui a 15 anos o Estado brasileiro estará demandando da sociedade 500 bilhões de reais a mais -- por ano -- para honrar com suas obrigações.
O "paper" de Almeida, Lisboa e Pessôa destrói a análise superficial que diz que o problema fiscal brasileiro é apenas uma questão de ajustar a rota depois de alguns anos de gastos exorbitantes.
Se o desafio conjuntural chega a ser paralisante, o problema estrutural das contas públicas é mortal.
Os economistas mostram que, desde 1991, a despesa pública cresce a uma taxa maior do que a renda do País, em parte porque o Estado está sempre distribuindo novos benefícios a grupos organizados.
Para bancar estes gastos, o Executivo e o Congresso se uniram e aumentaram a chamada carga tributária (o conjunto dos impostos pagos pelos eleitores) de 25% do PIB em 1991 para cerca de 35% do PIB no ano passado.
É para isso que você trabalha um terço do ano: para financiar os gastos com programas sociais, inclusive a Previdência, e para manter a União, Estados e municípios funcionando.
E, como há os tais aumentos de gasto encomendados; a única forma de financiá-los será aumentar ainda mais os impostos.
Além da rigidez do gasto público -- que só pode ser alterada com vontade política e emendas constitucionais -- o problema fiscal brasileiro vai se agravar também por conta do fim do chamado bônus demográfico, o período em que o país tinha tantos jovens na força de trabalho que eles conseguiam pagar pela previdência dos mais velhos.
Como a taxa de natalidade caiu, o Brasil envelheceu, e um "velho" custa duas vezes o que o Estado paga para manter a população na escola.
(A conta é feita comparando-se os gastos da previdência com os gastos em educação pública.)
Ao contrário do que pode parecer, esta não é uma conta que dê para pagar com uma grande privatização.
Pausa para checar o dicionário.
[Privatização: s.f. Tentativa de levantar caixa ou melhorar o desempenho da economia, mas que produz, no imaginário político de países atrasados, "entreguistas" de um lado, "verdadeiros patriotas" do outro, e "iludidos" no meio.]
O Brasil tem hoje um problema de fluxo, além do estoque de dívida -- da mesma forma que alguém que gaste mensalmente 1,5 vez o seu salário pode até vender a casa e abater a dívida, mas continuará para sempre fadado ao cheque especial.
De onde vem tanta gastança?
“O Brasil tem uma tradição de concessão desenfreada de benefícios, de forma descentralizada, e sem analisar o conjunto da obra e o impacto que isto tem na sociedade,” diz Lisboa, já conhecido no debate público por alertar sobre o problema da "meia entrada", os benefícios que grupos de interesse conseguem do Estado e que são bancados por toda a sociedade.
“Se isto não for resolvido de alguma forma, o Brasil pode enfrentar um problema como o da Grécia na próxima década.”
Em tese, haveria uma saída para o Brasil conseguir financiar o aumento do gasto público já contratado até 2030 sem mexer no "pacote de bondades" que o Estado oferece e sem aumentar impostos.
Mas neste cenário, a economia teria que crescer 5% ao ano daqui até lá para turbinar a arrecadação e, mesmo assim, algumas despesas vinculadas ao PIB teriam que ser alteradas.
Obviamente, as chances disto acontecer são remotas, dada a ausência de reformas na estrutura do Estado.
Essas reformas teriam que atacar benefícios concedidos por Brasilia que não custam dinheiro diretamente -- ou seja, não tem impacto fiscal --, mas que reduzem a concorrência e sufocam a produtividade da economia, desde regras de conteúdo nacional a barreiras não-tarifárias que criam reservas de mercado, incluindo os inúmeros benefícios tributários dados a setores "estratégicos".
Como é que o Brasil ainda não havia se dado conta de que o buraco fiscal era tão mais embaixo?
“Um ponto essencial do nosso argumento é o entorpecimento que a arrecadação excepcional entre 2000 e 2010 produziu na sociedade e nos analistas,” diz Pessôa.
“Nós ‘congelamos’ um setor público que somente se sustenta se a arrecadação crescer acima do PIB para sempre.”
E como no Brasil os gastos públicos são fixados como um percentual do PIB, nem uma inflação mais alta resolve o problema.
Além do que, “a inflação só não é pior que uma guerra civil como forma de gestão do conflito distributivo,” diz Pessôa.
Talvez a maior contribuição do artigo -- cuja íntegra está aqui -- seja mostrar que serão necessárias coragem e visão de Estado para o País fazer o que tem que ser feito.
Para além de todo o barulho de curto prazo sobre o destino deste ou daquele político, as pessoas responsáveis -- nos partidos, nas empresas e na sociedade -- deveriam usar este diagnóstico como o ponto de partida de uma conversa séria e urgente.